quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A GRAÇA DO TEMPO

Parafraseando o meu amigo Antônio Jorge,
Tic-tac tic-tac 
o homem marca o tempo
Tic-tac tic-tac 
o tempo marca o homem
Tica e taca no homem
E a mulher marca o tempo 
Que nos consome

Assim tornou-se adulta a criança minha 
E marcou o seu tempo em sua beleza
Da princesa filha à filha princesinha

Assim principia a princesa sua vida a duas
Sai da infância deixando-nos sua mais bela prenda

Prendendo-nos a aprender com quem a substitua

E eis que nos enche de graça
Com o melhor que há no presente:
A vida que por nós só passa Quando o passado já não é ausente
E o futuro jaz projetado
No ser que encanta a gente
No verbo que o tempo faz!

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

DA SAUDADE À ESPERANÇA

(PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DO AMOR)
Ao lembrar o tempo da saudade das minhas filhas crescendo, relembrei o banquinho que projetei no jardim, como lugar de namoro que elas nem perceberam e que meu pai estranhou porque, à época, a minha princesa só tinha dois aninhos. Então, antecipando-me à saudade do que eu ainda não vivera, pensei na que eu reviveria quando minhas filhas assumissem suas vidas e eu desejasse netos. Mas não era saudade. Era esperança. E, enfim, ela chegou: esperança misturada à saudade renovando o amor.
Saudade das filhas crianças revivida na neta que realiza a esperança. 
Esperança de corrigir com as filhas na educação da neta as falhas da educação delas. 
Mas, como? Já nem tenho mais tal direito. Embora ainda tenha o dever de guiar minha filha na criação da minha neta. O dever, contudo, não é uma obrigação, pois não é um imperativo legal nem físico. É apenas uma responsabilidade derivada da consciência de que filha e neta carecem de cuidados. O direito, porém, é uma conquista ou uma concessão, tal como o amor é conquistado ou concedido. 
Costuma-se perguntar se o amor pelos netos é duplicado. Respondo que não. Pois não sei calcular o amor. Apenas sinto-o renovado: o amor à filha se renova com a neta, conforme a convivência. E não o concebo sem isto: participação. Nele há concessão e conquista.
O amor aspira cuidado: carece-lhe e almeja-o para se concretizar. O cuidado inspira o amor: concretiza-o e o renova. Não concebo o amor sem cuidado. Mas somente este pode ser medido, uma vez que é concreto, como atividade pela qual aquele se manifesta. Ele, portanto, pode ser duplo, ou triplo ou calculado no tempo, no espaço, num indivíduo, sob determinadas circuntâncias. Isso, talvez, seja o que confunde as pessoas, induzindo-as a falar que "amor a neto é dobrado".
Não. Dobrado é o cuidado, porque há mais a participar com a filha e também com a neta; há mais a tornar-se parte delas como amadas e delas em mim como amante. O amor, no entanto, é apenas renovado, ou seja, revitalizado pela graça de ser reconhecido e aceito: valorizado, pela conquista e pela concessão. 
Que amor resiste ao descuido? Se não concedido, como ser conquistado? Não é o tempo que mata ou alimenta o amor: mas o descuido ou o cuidado. Se o ser amado não cuida do amor recebido, este perecerá: deixando só saudade de um tempo perdido. Se o amante descuida do ser amado, este não o reconhecerá, porque o critério do amor é o cuidado. E qual o critério do cuidado? Como saber que há descuido ou excessivo zelo pelo outro, o que desvirtua ou perverte o amor? Talvez seja a concessão sem conquista, tal como o direito não conquistado desvirtua ou perverte a liberdade, assim como os privilégios herdados desvirtuam as pessoas e, quando perdidos, perverte-as.
Eis que surge um dilema lógico entre conquista e concessão; entre amor e cuidado. E desconfio que se há dilema é porque a relação não é lógica, mas dialética, cuja superação exige um terceiro elemento. 
Como superar a dialética entre o amor e o cuidado, que se completam como ato e potência, mas não são a mesma coisa? 
O que é o cuidado se não a realização do amor? O que é o amor se não o desejo de cuidar do outro? Como medir o cuidado para que ele não desvirtue ou perverta o amor? Se o cuidado é o critério do amor, qual o critério do cuidado se não o respeito? Como é possível conquistar o amor do outro sem o respeitar? Por que não se valoriza o amor recebido ou doado em demasia, se não devido à falta de respeito para com o outro ou para consigo mesmo? 
Mas, o que é o respeito se não o reconhecimento do valor do outro? E em que consiste o valor do Outro se não no fato de que ele não é um objeto de posse, mas um sujeito de desejos e de liberdade, embora limitada, capaz de decidir conquistar direitos e doar-se em dever, se conquistado? E como conquistá-lo se não pelo cuidado e pelo respeito, pelos quais se reconhecerá a dimensão do amor?  
Eis o aprendizado que espero vivenciar com minha neta, para que o amor se renove nela, pela saudade do que vivemos - eu com meus pais e, depois, com minhas filhas e com ela -, e pela esperança do que elas hão de viver se renovando em gerações.

terça-feira, 14 de abril de 2015

E POR FALAR EM SAUDADE

Curiosamente, a percepção do tamanho do tempo, assim como do espaço, depende sempre do tamanho da própria percepção. Seria isso o que Kant quis nos dizer com seus conceitos de tempo e espaço como formas mentais a priori? Basta lembrar como parecia grande o quintal da casa em que moramos na infância; as praças, as ruas etc. Como parecia distante terminar um ano de estudos, dez anos escolares; depois mais quatro de universidade... e ter filhos? E atingir a idade do meu pai? ...E do meu avô, então!... Lembro-me quando preparei o jardim da minha casa com banquinho onde minha filha deveria namorar e meu pai estranhou... claro, porque ela só tinha dois aninhos. 
Hoje eu me surpreendo em ver a rapidez com que minhas filhas cresceram. Elas já sabem namorar e nem perceberam o banquinho. Ou o perceberam muito bem. Minha Princesa JÁ(?) está cursando universidade, e minha Princesinha prestes a ingressar também. Agora eu já temo a brevidade do tempo em que elas assumirão vida própria... e eu ficarei a desejar netinhos como que para superar a saudade do tempo delas.
Ariadn, quando criancinha, parecia ter muito curto o seu tempo da saudade de mim. Enquanto Ahmina registrou em vinte dias o seu tempo, e eu quase não resisti a tanto, o de Ariadn era tão curto que me fazia sofrer pensando na dor que ela sentia quando eu me ausentava por alguns dias.
A lição me veio quando ela ainda nem tinha dois aninhos e eu precisei viajar em vista da seleção do Mestrado. Foi uma semana de sofrimento, ligando pra casa toda noite, pra saber como ela estava.
Ahmina já tivera sua experiência, portanto, não estava nem aí. Mas, Ariadn estava lá, sim: querendo falar comigo ao telefone; sem ter muito o que dizer, mas me dava a impressão de que ela queria pelo menos ouvir minha voz, sentir a minha presença virtual. E o pior é que ela adoeceu. Felizmente, elas estavam em Natal, com os avós, e cheias de paparicos dos tios (ou seria titiricos e vovoricos?). Por isso eu sabia que estavam bem cuidadas. Ademais, eu nada podia fazer, exceto buscar informações, apesar da tensão das minhas provas.
Então, ao fim de uma semana, voltei pra casa, consolado pela missão cumprida, mas preocupado sobre como eu encontraria minha Princesinha. Para minha triste surpresa, já no portão encontrei meu pai saindo no carro, para o hospital do coração, com minha mãe, vítima de um infarto. E no terraço, deitada numa rede estava minha menininha, dormindo. Assim, eu não poderia ter dela a recepção calorosa que eu esperava. Mas, recepcionado por Ahmina, sua mãe, e os meus irmãos, curiosos em saber como fora minha missão, eis que, ao ouvir minha voz, de súbito Ariadn sentou-se na rede, abaixando a lateral com sua mãozinha e dizendo, num misto de dúvida e alegria em meio ao sono: Painho?!!! Ninguém resistiu à cena surpreendente e todos rimos. Eu apenas peguei suas mãozinhas, desprendendo-as das laterais, e beijei-a na testa, entre os olhos, induzindo-os a se fecharem, e fazendo-a deitar-se novamente. 
Lembro que a tia disse: Pronto! Agora ela não dorme mais... só falava nesse pai; chega adoeceu de saudade! Curiosamente, porém, ela voltou a dormir tão rapidamente quanto se levantou. Dormiu a tarde inteira, como a descansar de uma árdua batalha. E ao se acordar, felizmente, ela já parecia curada.
Daí entendi que saudade pode ser cruel para uma mente despreparada. Parece funcionar como a dor da abstinência que sofrem os viciados. Então, eu precisava fazê-la curar-se, desprender-se de mim, pois eu não poderia funcionar como uma droga, cuja ausência fazia sofrer minha garotinha. Ela precisava aprender que minha ausência não era perda; e a se preparar pois não me teria para sempre.
Parece que funcionou. Consegui curá-la de mim. Tanto que hoje já não sei qual o tempo da sua saudade. Eu já não consigo medi-lo, pois nunca resisto passar mais de trinta dias sem elas, ausente de qualquer contato. Preciso ter notícias; ouvir a voz, vê-las via internet; ler seus textos, suas mensagens, seus pensamentos, mesmo que não tenham se endereçados a mim. Por isso, quando Ahmina viajou para Paris eu lhe pedi para criar um blog de viagem, no qual ela postava suas fotos e notícias quase diariamente.
Apesar de não saber mais qual o tempo de saudade delas, uma vez que eu não consigo deixá-las sentir saudade, contento-me em acreditar que elas conseguiram superar esse tempo. Consolo-me na crença de que isto signifique independência emocional! Quanto à minha saudade... ah! No meu tempo eu dou meu jeito!!!

TEMPO DA SAUDADE

De tantas coisas boas que minhas filhas já me ensinaram, uma das mais importantes foi, sem dúvida, sobre o tempo da saudade.
Ahmina tinha uns cinco anos de idade quando viajou sem mim, pela primeira vez. Ela foi com a avó, passar férias em Natal. E eu, ansioso para vê-la experimentando a liberdade, nos seus primeiros passos de garotinha independente que eu tanto cuidei para que ela se tornasse,  tratei logo de orientá-la. Embora certamente eu estivesse louco para ser seu observador supremo: deixando-a ir, sem, contudo, perdê-la de vista. Então eu lhe disse: Filha! Você pode ir pra casa de quem você quiser, dos seus tios ou seus avós, desde que lhe queiram lá e que alguém possa levá-la. Mas quando sentir saudade é só ligar que painho vai buscá-la.
Ocorreu que todo dia eu ligava pra ela, onde ela estivesse. E fazia questão de falar com ela. E, curioso e ansioso, eu lhe perguntava: Filha, está com saudade?
É claro que ela não estava. Na verdade, quem estava com saudade era eu. E ficava tentando transferir para ela o meu desejo, a vontade de que ela sentisse saudade tanto quanto eu estava sentindo. Mas, isto eu não percebia. Eu certamente o fazia inconscientemente. A rigor, eu só percebi depois de uns cinco dias ligando, geralmente à noite, antes de ela dormir. Foi quando eu lhe perguntei: Filha, está com saudade? E ela me respondeu, com  toda a sinceridade de uma criança: Ô, painho, você não deixa...! E que mais eu podia fazer senão sorrir e chorar em gargalhadas, pela lição aprendida?
Foi, então, que eu me dei conta de que a saudade carece de tempo. E que esse tempo é diferente em cada pessoa. Que é preciso que deixemos o ser amado livre de nós se quisermos que ele também sinta saudade. É preciso respeitar o tempo do outro. Não há necessidade de que o tempo dele seja igual ao nosso. Sinceramente, eu me maravilhei com tamanha sabedoria, vinda de uma criança.
Desde então, tratei de não mais incomodá-la com a minha virtual presença, com a minha voz, tampouco com a minha pergunta constrangedora. Contudo, não deixei de ligar, pra satisfazer a minha saudade. No entanto, eu apenas procurava saber notícias dela: onde estava, como, com quem, e pedia apenas que lhe dissessem que lhe mandei um beijo.
Até que após vinte dias contados, ela pediu pra avó ligar pra mim e me disse: Painho, estou com saudade! Venha me buscar! Esta foi uma das frases mais maravilhosas que já ouvi. Simplesmente, porque sei que ela veio no tempo próprio de quem a pronunciou; sem vício, sem obrigação. Não era necessidade. Nem sedução. Era apenas desejo e decisão de satisfazê-lo. E o melhor: ela nem me perguntou se eu também estava com saudade. Afinal, há pergunta mais constrangedora do que aquela que lhe obriga a concordar com o que ela já está induzindo? ...Estou com saudade, e você, está com saudade de mim? ...Eu te amo, e você, também me ama? Para piorar, ainda há quem acrescente: ...Quanto você me ama? É muito ou pouco?
Em setembro passado, quando ela viajou para estudar três meses em Paris, ao nos despedirmos no aeroporto, relembrando a cena eu lhe disse: Filha, quando sentir saudade ligue que painho vai buscá-la. Ao que ela me respondeu, mimosamente: ...o senhor não vaaaai!...

PODER DE SEDUÇÃO

(ou Acalanto de Sofia)

Queria eu ter o poder de sedução no olhar:
Desfechando raios de visão
A quem me apetece
instigando-lhe os desejos de prazer
Que eu quisesse
Queria eu ter o poder de sedução
Na minha pele, em minhas mãos
Na epiderme dos meus dedos
Para que eu tocasse com meus desejos
O alvo do meu olhar mal sucedido
E lhe despertasse em paixões
Como as que sinto
Não como quem acorda de um sono maldito
Mas como quem se entrega a um encanto
Pois o encantado é sempre mais bonito!
E assim eu te tocaria a pele carinhosamente
E eu te afagaria o corpo
E te faria minha em meus braços
Como em minha mente
Deleitosamente
Como quem semi-adormece, absorta, em plena dança
Embalada pela melodia divinal que alcança o que eu quis
Amparada, aconchegada em meu abraço

Então tu me farias um deus
Pelo poder me concedido
De te fazer feliz
E, como tal, eu eternizaria o instante
Assim, o antes permaneceria agora
Como jamais perdido nem como sonho de outrora
Mas eu não posso
Então desperto, desencantado
Não me foi dado tal poder de sedução
Nem no olhar, sob essa visão mediata
Da qual escapa o teu miúdo e fúlgido olhar
Quando eu, mudo, quedo-me a escutar-te
Se não me queres escutar
Nem na minha epiderme grosseira, frente à tua tez
Com a maciez da espuma
Que meus dedos não ousam tocar
Sem tal poder, restam-me as palavras
Que me levam ao átimo fugaz do ser
Capaz de, se não te seduzir
Pelo menos fazer-te saber
Dessa paixão que eu te faria tão bem sentir
Apelo às palavras, minhas confessionárias
Pois se não me ouves tu o que te quero dizer
Digo a mim mesmo em poesia
Do prazer que, sem te ter, espero
Quando puder me despedir sem pranto
Pois se não posso ter-te minha
Meu é o poder de te dizer "te quero"
Mesmo que seja em acalanto:
Ai, como eu te quero, Sofia!