domingo, 2 de novembro de 2014

Cinzas Eleitorais

A última semana de outubro esteve para a eleição 2014 tal qual a quarta-feira de cinzas está para o carnaval: uma ressaca ou uma benzedura. Ressaca eleitoral de quem se recusa a ver a realidade. Ou uma benzedura de oferendas de quem temia a recaída de antigos carnavais. Parece que só na semana seguinte é que tudo deve se normalizar, como quem se restabelece de uma doença ou acorda de um pesadelo: com o alívio de ouvir outras músicas que não sejam do carnaval e discutir outros temas que não sejam da eleição.
Parece haver um muro mental ou temporal a ser transposto por todos que vivenciaram esse processo. O lamento dos perdedores teimou em perdurar por toda a semana, embora a comemoração dos vencedores não pareça tão perdurável quão pouco meritória.
No Rio Grande do Norte, por exemplo, a melhor expressão disso foi a postagem com a foto da capa do primeiro disco de Chico  Buarque, legendada: Chico sorrindo (Henrique perdeu), alegria; Chico sério (Robinson ganhou), desânimo. 
De certo modo isso também pode valer para a eleição na Paraíba e em tantos outros estados. Na Paraíba, pela alegria devida à derrota do tradicional candidato do PSDB, Cássio Cunha Lima, que nunca havia perdido eleição e representava bem a disputa em âmbito nacional, uma vez que ele já esteve no governo estadual por 7 anos, cassado no final do segundo mandato, e que visivelmente só cuidou do seu grupo político e afilhados da elite paraibana. Em debate, ele sequer conseguia explicar os investimentos do seu governo para a Educação, a Saúde e a Segurança Pública, que ele tanto criticava no governo atual, cujos índices superavam os do dele.
Não há como negar a glória e graça em derrotar as oligarquias tradicionais Cunha Lima (PB), com dezena de familiares no pleito, e Alves e Maia (RN) que se alternavam no poder. Aliás, vale registrar a estupidez do senador José Agripino Maia (Demo/RN), revoltado com a derrota do presidenciável Aécio Neves (PSDB) pelos nordestinos e vitorioso no Sul e Sudeste brasileiros, onde estaria, segundo ele, o Brasil moderno vencido pelo Brasil atrasado, para cujo atraso o próprio senador (1987-91; 1995-2018?) tem contribuído desde quando foi prefeito biônico de Natal (1979-82) e governador do RN (1983-6; 91-4). Que isso seja lembrado até a próxima eleição, para a devida resposta nas urnas.
Diante das críticas ao governo Dilma a postagem também pode se estender à eleição no âmbito nacional. Apesar do Chico Buarque dizer na campanha votar "na Dilma, pela Dilma", confesso que, a meu ver, ela não merecia ser reeleita. Pois, embora ela tenha ampliado as políticas sociais, pelo que fez a ONU tirar o Brasil do mapa da fome, ela não cumpriu o básico do seu perfil de administradora, que era fazer concluir as obras fundamentais iniciadas no governo Lula, cujo atraso demanda gastos e suspeita de corrupção.
Eu nem valido o argumento dos adversários quanto ao baixo crescimento econômico, pois o considero economicista. Ou seja, só veem números que interessam ao capital financeiro e desprezam o capital humano. Eles só veem acúmulo de riqueza e não a distribuição dela. Basta observar a contradição pragmática na revolta contra as conquistas sociais: em geral, esses críticos querem e podem sair do Brasil para viver no primeiro mundo, onde supostamente não há miséria, pois há educação e trabalho. Contraditoriamente, porém, não querem o Brasil dando essas condições aos brasileiros.
Qual o pressuposto do argumento economicista? É a crença liberal expressa na frase do presidente Costa e Silva: tornar o rico mais rico para assim ajudar os pobres. Historicamente, todavia, sabe-se que isso nunca funcionou: observe-se o governo neoliberal do Fernando Henrique Cardoso (PSDB/1995-2002), sociólogo, econometrista, cujos escritos sobre a realidade do Brasil ele próprio mandou esquecer (Sebastião C. Velasco e Cruz; 1999) tão logo assumiu o governo. Reveja-se o período do dito milagre brasileiro (1974) quando a economia cresceu, mas a pobreza se multiplicou.
Por isso a alegria deveu-se mais à derrota impingida ao risco de recaída dos velhos carnavais eleitorais do que propriamente à vitória do que ainda não se cumpriu na grandiosidade das obras de integração do rio São Francisco às bacias hidrográficas nordestinas para mais de 390 municípios dos estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Piauí; da ferrovia Norte-Sul que só chegaria até Goias e agora vai se estender por 4.000 km do Norte do Maranhão ao Rio Grande do Sul, passando pelo Pará, Tocantins, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, como uma coluna vertebral para o escoamento da economia, em sua integração com os chamados portos secos, uma vez que a obra iniciada há 27 anos só tinha construídos 205 km nos governos Sarney e FHC e 719 km no governo Lula.
Por essas e outras é que a alegria deveu-se mais à derrota do retrocesso do que à vitória do sucesso. Contudo, espero ainda o alívio de ouvir uma nova música que não lembre o carnaval da eleição, mas que nos mantenha atentos à luta para que as melhorias para o Povo brasileiro não sejam apenas promessas de um sonho que pode se tornar um pesadelo nas próximas eleições.

sábado, 18 de outubro de 2014

"TANTO FAZ" NÃO

Tanto faz Dilma ou Aécio para presidente do Brasil em 2015? Tanto faz PT ou PSDB no poder? Duvido. 
Não defendo Dilma em causa própria. E se fosse questão de "tanto faz" eu nem estaria discutindo nesse segundo turno, uma vez que nem votei nela no primeiro. Sinceramente, tenho sérias críticas ao seu governo. Inclusive, por ela estar cogitando sobre uma proposta que fere diretamente a minha profissão. Mas entendo que, parafraseando Lula em resposta a Antônio Cândido, o Brasil é maior do que a profissão de Professor de Filosofia ou de Sociologia. 

Contudo, a Educação depende disso, para não robotizar o cidadão. O sociólogo FHC, no entanto, vetou a lei que o dito “analfabeto” Lula aprovaria e agora a economista parece querer rediscuti-la. Mas isso pode ser discutido, de fato, tendo em vista inclusive o emprego ou desemprego gerado entre diplomados nessa área. Tal discussão não foi possível com FHC. Duvido que o seja com Aécio.
Nem pretendo mudar o voto classista convicto ou de qualquer outro. Apenas tento expor algumas questões que lhes façam pensar se vale a pena tal convicção. Quais as consequências do seu voto? E qual a causa dessa convicção? São valores seus ou lhe impostos? Por quem? A quem servem os interesses de tal imposição ou omissão ou ignorância? 

Essa geração jovem tem todo o direito de querer algo melhor do que o que está vivenciando. Mas também tem o dever de analisar pelo menos a história recente do nosso país. Como diz o poeta Renato Russo, "o futuro não é mais como era antigamente". Sua geração pode não ter consciência disso, mas os registros estão à disposição na internet. 

Na sua infância você pode ter tido outra impressão da vida política da sua cidade, do seu estado, do nosso país; mas, através de quem? Quais informações lhe foram ofertadas e quais lhe foram omitidas? 
Eu também cresci ouvindo meus pais e parentes defendendo a oligarquia Alves, apesar de nunca terem sido diretamente beneficiados por ela. Eles apenas pareciam ter consciência do que tantos outros sofreram nos governos da oligarquia Mariz e Maia, cuja covardia culminou no apoio à ditadura militar de 1964 a 1984.
Então, aprendi a me perguntar o que essas famílias fizeram para o povo do nosso Rio Grande do Norte. Afinal, por que hoje se uniram Maia e Alves, depois de décadas se digladiando? 
Se ao defender uma oligarquia o sujeito apresentar apenas benefícios próprios, então sua visão política não é racionalmente defensável, pois não é universalizável. Equivaleria a qualquer outra defesa que lhe contrapusesse outros interesses próprios, como sempre fizeram os oligarcas ou seus capachos. Até seria compreensível, porém faltaria justiça para universalizá-la ou justificá-la até mesmo de modo cristão, se me permitem apelar ao fundamento religioso da nossa cultura ocidental.
O mesmo se dá no âmbito nacional entre PT e PSDB. Porém, com grande diferença de práticas políticas: se no RN eram duas oligarquias de direita se digladiando pelo voto do povo para enriquecerem cada vez mais suas famílias e comparsas, isso está bem representado pelo governo PSDB. Observe em todo o Brasil quem foi beneficiado por ele, seguindo o lema do presidente Costa e Silva: "tornar o rico mais rico para ajudar o pobre". Examine a história e verá que isso sempre ocorreu. Mas, era necessário? 

Por outro lado, desde 2003 o PT "provou que é possível crescimento econômico com distribuição de renda", como bem disse o ex-ministro do PSDB, Ciro Gomes. Isso porque, até o governo do PSDB, todo discurso econômico era "primeiro fazer o bolo crescer, para depois distribuir". Em que isso difere da frase de Costa e Silva? E quando houve distribuição de riqueza, apesar do dito milagre brasileiro no início da década de 1970 ou do controle da inflação na década de 90? Por que pessoas têm que ser condenadas à miséria enquanto algumas acumulam riqueza que jamais gastarão?
Diz o grego Aristóteles (séc. IV a.C.) que a família se forma para garantir a sobrevivência da espécie; dela se formam aldeias para garantir a sobrevivência do indivíduo; mas o Estado (polis) se forma para garantir a boa vida de todos. Como pode em pleno século XXI ainda existir milhares de pessoas que não têm direito sequer à sobrevivência? Esse direito à cidadania foi dado a 36 milhões de pessoas nos últimos 12 anos no Brasil. Coisa que nenhum governo anterior teve o cuidado de fazer, em 110 anos de República. 
Então, para mim, não é questão de "tanto faz". Como disse o sociólogo Betinho, "quem tem fome tem pressa"; assim como quem precisa de médico. Felizmente, sabemos que essa visão anti-PT não é unânime entre os médicos, pois já há manifesto deles pró-Dilma e contra Aécio. Assim como há de economistas, ou seja, manipuladores do dinheiro, e de jornalistas, manipuladores da opinião. Observe o que disse o prêmio Nobel de Economia sobre o Brasil que reduziu a miséria e a fome. 
Por que é tão difícil ver essas diferenças de apenas uma geração? Os escândalos não são argumento, uma vez que os opositores também tiveram suas falcatruas, com uma diferença: eram acobertados pela mídia e pela elite que faz o poder judiciário. E pior: seus desvios sempre foram em benefício próprio ou de poderosos, como o senador Demóstenes Torres, o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o governador José Serra & cia do PSDBesta  e do DEMo .
No caso do mensalão do PT, o desvio foi para aprovar leis em benefício do povo, como a do PAC, para duplicação da BR-101, ferrovia Norte-Nordeste, portos, transposição das águas do rio São Francisco e habitação popular, coisas que não interessam à elite. E isso devido à própria estrutura política do Legislativo viciado em propina, cujos corruptos se diziam "aliados do Governo". Mas viciados desde quando, se o governo do PT é recente?
Desconfio, portanto, que tamanha cegueira seja imposta pelo ódio da elite, através do seu exército midiático e dos manipuladores do dinheiro, devido à repartição da riqueza com quem só tinha direito à sobrevivência. Daí a ignorância de quem não faz parte da classe. Disso decorre a recusa a pensar, pois, como diz o poeta, "tá tudo aí, para quem quiser ver" (Chico Anísio e Arnaud Rodrigues). 

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Chegou o Tempo

Observo o meu Platão ansioso para passear. Assim ele me diz que já é fim de tarde. Mas, ele sabe a hora do passeio? Ou sua experiência lhe é apenas retomada pelo evento do entardecer? ... A brisa, a penumbra, o odor da relva, os sons vesperais da passarinhada... Coisas para as quais nossos sentidos não estão atentos. Mas os dele, sim. Diria ele: "chegou o tempo do passeio"? Penso que não. No máximo: "quero passear".
Então ele vai e me chama. E desanima se não lhe dou atenção. Mas se anima a cada gesto meu: levantar-me, ajustar nos pés as sandálias e, principalmente, por nos ouvidos os fones do celular e, enfim, exibir-lhe a corrente dele. Mas isso são eventos. São indícios. Se eu não fizer essas coisas ele nada saberá da hora do passeio. Porque ele não sabe de hora. Ele não sabe de tempo.
Ao chegar no pátio da igreja, ele sempre faz sua oferenda. Às vezes, mais de uma. Porque o lugar o induz. Por vezes até tenta sem conseguir. Até me iludo: como se ele fingisse, para me enganar. Mas ele não oferenda onde elas já existem. Porém, onde existiram: dele ou de outros animais. Seu guia é mais o olfato do que a visão. Não o tempo nem o lugar. Porque tempo e espaço são criações nossas. De nossa mente humana, que vai além da nossa percepção. Porque esta é insuficiente.
Então, "chegou o tempo" soa-me estranho. Pois, se chegou, ainda não estava. Ainda não era. Ora, onde estava? O que era? O que sabemos que ainda não era nem estava, só estava em nossa mente. Só era potencialmente. Não era real. Era apenas na potência mental que o visualiza acontecendo. 
Assim sendo, não foi o tempo que chegou. O que chegou, de fato, subjetivamente, foi a decisão de realizar algo. Ou, objetivamente, chegou algo já esperado: efetivando-se. Isso significa que confundimos o tempo com o evento, isto é, com o que, de fato, acontece.
Observem as aves, durante um eclipse. Elas se recolhem para dormir. Pensariam elas ser o momento de descanso? Por isso, nos aviários industriais há luzes constantemente acesas, para que as aves não durmam: não desperdicem tempo [de quem?]. Assim, elas não param de comer nem de produzir ovos. Então, engordam logo e morrem cedo. Certamente elas fazem isso porque não percebem o tempo; mas o evento: o escurecer. Logo após o eclipse elas despertam para um "novo dia". Mas, será que percebem o quanto a "noite" foi curta? Sem perceber a duração, como saber do tempo? E como fica seu cansaço que não cessou?
Nesses termos, parece que a diferença entre nós e os outros animais é que eles só percebem o evento. Enquanto nós criamos o tempo. Eles não tem dia nem noite nem horas. Mas, certamente, a percepção de claro, escuro e momento vivido, registrado: a experiência. Nada além da experiência de vontade e realização.