sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Versos e Ventos


E eu te fiz mil versos 
Que se foram no tempo
Sem serem lidos
Passaram-te como o vento
Embaraçando-te
E causando arrepios
Agora vagam a ermo
Em cantos 
De versos
Perdidos
Na vastidão do deserto
Da memória 
Dos desencantos
vividos!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Amor e Carícia: ou Quase

Desculpa! Apenas quero lhe falar
Pois nem tenho quem me ouça
Por favor, não se constranja em saber:
Ontem, mais uma vez
Seu nome quase me escapou
Da boca
Aos lábios de outro amor
Por pouco não se fez injustiça
Ao prazer de quem não se culpa
No sábio riso armado
Da amante amada carícia...
(K. E.)


sábado, 5 de novembro de 2011

Aluno e Criança

Parece-me que os alunos que só se preocupam com a nota a ser atribuída pelo professor, como resultado de sua avaliação, são análogos às crianças que se interessam pelo dinheiro que costumam receber como presente dos avós ou tios. Ambos, aluno e criança, parecem acreditar que aquele é o maior e melhor objetivo da sua experiência.
Isso significa que tanto o professor que adora dar nota a alunos, para que eles o incluam na lista de professores bonzinhos, quanto o parente que utiliza dinheiro como presente a uma criança, para compensar o tempo e carinho que não lhe são dedicados, ambos não percebem que estão apenas criando uns viciados em pedir: - “Professor, preciso de 8, pra passar”. “Tio, me dê 1 real”. “Professor, seja bonzinho, senão vai ficar todo mundo reprovado”. “Ô, tio, se você não me der eu não vou mais encher a minha porquinha”. “Professor, o trabalho vale quanto?”. “Mãe, você me dá quanto pra eu limpar minha mochila?
O aluno, então, já não faz mais qualquer atividade que não seja valendo nota, assim como a criança, que  sempre pede uma nota ou uma moeda. Isso, mesmo quando a tarefa é dever deles próprios, a qual visa à aprendizagem educacional ou para a vida. 
E o pior é que o educador está deseducando. E o parente também. E no final, todos reclamam que há uma crise de valores, porque a educação não serve mais para nada. E ainda acusam a justiça, a política, o governo, sem lembrar que todo esse sistema é reflexo do que seus educadores fizeram com aqueles e do que estes fazem com os seus educandos, ou seja, com aqueles cuja aprendizagem está sob sua responsabilidade: criança e aluno.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Perda de Memória?

Às vezes desconfio que estou com perda de memória.
Nem me lembro porquê. Por isso não sei se perdi ou se me roubaram...
Mas desconfio, assim como desconfio que estou ficando velho.
Tal como desconfio que ainda vou morrer... Por que será?
O pior é como isso afeta o humor!
Às vezes chego a xingá-la.
Quando tento encontrar algo e não consigo, eu logo desconfio que é culpa dela e lhe digo: Ora, vai à merda!
Mas não tem jeito. Ela sempre me responde: ...Quem?!!
E o pior é que eu nem lembro mais...

domingo, 9 de outubro de 2011

Educação Mítica e Racionalidade

Ponta do Seixas, João Pessoa-PB [Google imagens]
Certa vez, num banho de mar na Praia do Seixas, em João Pessoa, observando aquela imensidão de água, Ariadn Raílla (minha filósofa aos 5 anos) aproveitou para me perguntar sobre uma história que ouvira acerca da origem da grande Lagoa do Bonfim, que conhecera na Grande Natal. Ela queria saber o que havia de verdadeiro em torno de uma suposta cobra que teria engolido uma menina, ou de uma criança que teria se transformado em cobra e que viveria até hoje na lagoa. 
Curioso pelo que possivelmente ela quereria saber, observei-lhe que, certamente, há pelo menos duas versões dessa história: uma que diz que a criança teimou com a mãe e foi engolida pela cobra; e outra segundo a qual uma menina teria se transformado numa cobra. 
E comecei: – Contam os antigos que quando ainda não existia a Lagoa do Bonfim, mas apenas uma pequena cacimba lá naquele lugar...
Então a filósofa perguntou: – O que é uma “cacimba”?
Ora... Você sabe o que é uma poça de água, como aquelas pequeninas lagoas que ficam nas ruas de barro após uma chuva?
Sei. – respondeu ela.
Pois bem – retomei –, uma cacimba é uma lagoinha, como uma poça d’água, só que com água jorrando de dentro da terra. Entendeu?
Claro!
– ...Pois dizem que uma menina queria ir brincar na cacimba, mas a sua mãe não permitia. A mãe falou que era perigoso, uma vez que lá morava uma cobra grande pronta pra pegar criança teimosa. Apesar disto, a menina aproveitou-se de um descuido da sua mãe e foi às escondidas. Em lá chegando, pôs-se a brincar prazerosamente, sozinha, tomando banho e batendo na água com o fundo externo da sua vasilha. Uma versão conta que ela estava sentada numa pedra à beira da cacimba, enquanto brincava, e não percebeu que o nível da água subia inundando tudo ao redor e que, por conta da sua desobediência para com a sua mãe, a menina transformou-se numa cobra grande que ainda hoje vive na lagoa. 
Outra versão conta que a pedra em que a criança estava sentada, ao ser encoberta pela água, transformou-se numa cobra pela qual a menina foi imediatamente devorada enquanto todo aquele baixio era alagado transformando-se na lagoa que é hoje. 
Ariadn Raílla: Lagoa do Bonfim, São José de Mipibu-RN
Outros ainda crêem que, na verdade, aquela pedra era uma cobra adormecida, que despertou com o barulho da vasilha e com a água banhando-a, pelo que, raivosa e faminta, engoliu a menina. Em suma, o que há de comum entre essas versões é que a teimosia da criança marca a origem daquela lagoa onde até hoje, conforme acreditam, vive a tal cobra, como o bom fim do castigo a quem desobedece à mãe naquela região.
A pensadora, então, na sua sapiência pueril, perguntou: – Mas isso não é verdade não, é? É apenas uma história para criança não teimar com a mãe, não é?
E eu, percebendo assim o que ela realmente queria saber, acrescentei: – Realmente não é verdade. É apenas um mito, isto é, um modo simples de educar um povo: contando-lhe histórias bonitas que servem para explicar a origem das coisas importantes para a região, como aquela lagoa; e provocando nas crianças o medo de desobedecer à mãe.
Ah! – ilustrou-me o seu raciocínio – Quer dizer que não é verdade, mas se a criança teimar pode acontecer com ela, não é?!
Isto me fez entender como o discurso mítico faz parte da racionalidade infantil. Pareceu-me claro o quanto a criança é capaz de compreender o que é dito racionalmente, mas ao mesmo tempo se apraz com certa leitura de mundo que fala de medo e desejo e de suas consequências na formação do nosso comportamento. Embora reconhecendo tais histórias como “mentiras”, sua racionalidade reconhece também o valor que elas tem na própria educação, desde que a razoabilidade do mito seja explicitada.
Por isso eu concordei com ela, dizendo: – ...De certo modo sim. Não que ela se transforme em cobra ou que seja engolida por uma, mas que ela pode, de fato, ser ferida por algum animal ou planta e, apavorada, não resistir; assim como, uma vez assustada, a criança pode se descuidar, acidentando-se sem condição de sobreviver sozinha. De qualquer maneira, há sempre perigo para uma criança brincar isolada onde a água é mais volumosa. 
No entanto, Ariadn também sabe que nem sempre isso pode ser dito a uma criança de modo tão explícito. Pois, sem a experiência da dor, o desejo inibe qualquer noção de perigo. E o que desperta a atenção é o medo do desconhecido. 

domingo, 18 de setembro de 2011

Quem É Você?

Em Noite dos Mascarados, o pierrô de Chico Buarque pergunta à colombina: “Quem é você?...”. E ela retruca com uma proposta: “Adivinha, se gostas de mim!”. Mas será possível dizer quem se é realmente? Ou será que só cabe aos outros dizerem quem é você?
Conta-se que o filósofo Arthur Schopenhauer respondeu de modo diferente quando perguntado por um policial, que o considerou suspeito, vagando por um jardim: Quem é o senhor? Ao que teria respondido o filósofo alemão: Se você souber me dizer quem eu sou, eu lhe ficarei muito grato! Isto por que, filosoficamente, não basta adivinhar o nome próprio de uma pessoa com o sobrenome da sua família, para dizer quem ela é realmente. Haja vista que ao pronunciar o tal nome é possível e às vezes ainda necessário questionar: “...Sim, mas quem é... Fulano de Tal, no jogo do bicho?”, como diria o meu amigo Bispo.
Pior ainda é quando alguém, presumindo respostas evasivas, não apenas pergunta, mas simplesmente propõe, como se acreditasse que você já sabe quem você é: Como você se define? Dependendo do tom da conversa a pergunta pode soar como um teste sobre a sua capacidade filosófica de se auto-definir, ou até como admiração, pela curiosidade em conferir se o que você pensa de si mesmo corresponderia à noção que a pessoa tem a seu respeito.
Ora, nesses termos, só se tem duas alternativas de resposta plausíveis: ou tentar descrever o que já é supostamente conhecido pela maioria ou tentar dizer o que realmente ninguém conhece, mas que justificaria o tudo que se sabe a seu respeito. Pela primeira opção, nova pergunta surgiria: ...Ora, isto é o óbvio. Mas será que isto é o real? Será que você é realmente assim? Agora, a palavra “realmente” obriga a pensar.
O curioso é que existe um pressuposto para perguntas desse tipo. É a crença de que há um saber sobre as coisas, que é superior àquele de quem diz o que as coisas são. Em outras palavras: dizer o que é uma coisa, por mais verdadeiro que pareça, permite sempre a dúvida se é realmente aquilo que se está dizendo, mesmo que a coisa e o sabedor sejam um só: você. E, por trás dessa dúvida, existe a presunção da possibilidade de que alguém saiba mais. Daí porque até Sócrates, após beber o veneno mortal, ao descrever sua crença na vida pós-morte, complementa: “Se é realmente assim, só Deus sabe!” (Fédon).
Então, “realmente” denota a pressuposição de que o real está por trás das aparências. E, na pergunta, tal palavra convida a pensar sobre a realidade da coisa. Assim, “quem é você, realmente?” convoca a pensar sobre si mesmo para além das aparências, para além do modo como você se apresenta. E tal convocação pressupõe que só você próprio pode saber. É certamente um apelo à sua consciência para conferir se aquilo que você sabe de si mesmo corresponde àquilo que é mostrado na sua maneira de ser. Mas esta expressão – maneira de ser – é simplesmente fantástica, pois pressupõe que o ser é... de várias maneiras, como ensina Aristóteles (Met. 1003).
A rigor, a pergunta “quem é realmente você?” pode induzir a pensar que o seu ser é algo diferente daquilo que aparenta. No entanto, vale observar que não é necessário que o seu ser consista em algo diferente da sua própria aparição. Afinal, se o ser é... de várias maneiras, isto significa que qualquer maneira de ser é já e ainda o mesmo ser, como nos assegurariam Parmênides e Espinosa. Portanto, ter algo mais íntimo, oculto e diferente não é algo mais real do que a própria aparência. Ambos são, simplesmente, o mesmo ser, apesar das diferenças. Pois, a meu ver, é inconcebível se pensar em graus de realidade.
Pensar nesses termos é, paradoxalmente, confundir entre o real e a clareza ou evidência que permite distinguir uma coisa de outra. Mas isto é percepção do ser, é abordagem, depende da capacidade de apreensão, de método; é instrumental, mas não é o real. Tal confusão se deve ao fato de, inadvertidamente, se tomar por critério a força de impressão das imagens em nossa mente, força que depende e apenas indica certa capacidade de perceber.  Aliás, esta é a acusação que Hume faz contra Descartes. Agora, tenta falar isso a alguém numa conversa, cuja pretensão nada tem de filosófica!
Então, como definir quem é você, sem utilizar os elementos perceptíveis da sua própria aparição? Que verdade existiria em tal definição? Como comprová-la? Qual o sentido de uma definição que não pode ser comprovada? E por que ou para que se definir com os mesmos elementos que todos já conhecem? O que isto acrescentaria ao conhecimento sobre a pessoa? Ou ainda, em outras palavras: seria impossível definir a si próprio?
 Ora, definir é determinar universalmente. A definição de algo consiste na explicitação da coisa como pertencente a uma dada classe de coisas [daí o sobrenome]. É, a rigor, uma classificação. Logo, é um paradoxo universalizar um individuo, visto que o universal consiste numa classe de indivíduos. Isto implica num contra-senso definir a si próprio para alguém que já o conhece, pois, ou se insere numa classe, pela qual já é conhecido, e desse modo nada acrescenta ao conhecimento; ou diz algo que nada tem a ver com o que é conhecido, o que seria absurdo, haja vista não se poder provar. 
Como, então, dizer de mim algo diferente daquilo que se apresenta no modo como eu me manifesto, como se esse algo diferente fosse realmente o meu eu, o meu ser, a minha verdadeira realidade, enquanto o modo como eu me manifesto fosse outro eu, um não-ser, menos real que o meu íntimo? Como me definir pelo meu íntimo, supostamente mais real, mas que nunca foi manifestado, se a definição de alguém supõe uma verdade que carece do seu manifestar-se? Certamente, a minha definição se invalidaria no primeiro ato que eu cometesse, cuja possibilidade não estivesse incluída nela. Para evitar isto, seria necessário em tal definição ampliar o número de atos pelos quais o meu íntimo pudesse se manifestar. Mas, considerando a disparidade entre o meu eu aparente e o meu suposto eu, o número de atos que me definissem poderia ir ao infinito, haja vista a ausência de qualquer um deles anular a minha definição. Entretanto, isto também impossibilitaria a definição, visto que me deixaria ainda indeterminado, não identificável, imprevisível.
Então, como me definir? Como me identificar dentre tantos seres humanos? Penso que de duas, uma: ou a resposta se prolongaria pela negativa, dizendo de mim o que não sou... mas saber o que não sou não determina o que sou. Ou responderia que, filosoficamente, eu sou alguém que não acredita que alguém possa se auto-definir. Por isso, humanamente, apenas vivo tentando compreender o que vivo, visando melhorar o viver. Todavia, conferir a verdade disto e suas implicações, em que me difiro dos demais e se isso é bom ou ruim, cabe a quem pensa sobre a convivência comigo.

sábado, 17 de setembro de 2011

o mar e eu: a pele

o mar e eu: a pele: você poderia ser puta, eu te amaria do mesmo jeito. poderia ser presidiária, viciada, fracassada. era só continuar tendo esses peitos. poder... [R. Queiroz]

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

BENDITO SEJA


Vocábulo muito dito, desgastado sentido. Isso bem poderia ser um provérbio a se observar.
Já perceberam como as pessoas comuns, ou cristão vulgar, dão graças a Deus por tudo? E como elas abençoam ou pedem a bênção à autoridade parental ou semelhante?
Antigamente se dizia: "sua bênção, meu pai!" ou "sua bênção, minha mãe! ...meu avô! ...vó! ...tio! ...tia! ...padrinho! ou ...madrinha!". Pelo menos deve ter sido assim que fora ensinado pela doutrina católica, rogando uma graça a quem, porventura, pode interceder divinamente: "sua bênção, padre!". Mas qual a autoridade do intercessor? Quem concede tal autoridade a um padre pedófilo, por exemplo? Ou a uma mãe má ou um mau pai, tio ou avô, estuprador, assassino, bandido? Que poder de acesso ao divino tem alguém desse tipo, mais do que uma criança inocente?
Sabe-se, como diz o grande helenista Professor Henrique Murachco, que a preguiça de falar faz a economia das palavras, mudando-as desde benedicto [latim] para Benedito, bendito, Bento, todas significando a mesma coisa: aquele agraciado pelo bem-dizer [benedictione]; daí benzer, resultando geralmente em "bença, pai; bença, mãe!" até se transfigurar em um sonho de consumo dos mais caros do mercado automobilístico: "benz, pai; benz mãe!" (...Mercedes... em latim significa dar graças; mercê: favorecer, beneficiar). Mas, que sentido ainda é guardado nessa prática senão a força da tradição? Certamente por causa disso ela vai se perdendo. Pois, se não há sentido, por que praticá-la?
Do mesmo modo ocorre com o discurso da autoridade de quem abençoa. Minha mãe sempre disse apenas "Deus te abençoe!". Por tanta repetição isto soa como: "Deustabençoe", "Deustambemsois", quiçá "Deunstabefões".
Meu pai, porém, costuma dizer "Deus te faça feliz!". Sempre achei bonito este ato de fala. Talvez porque as palavras escolhidas obriguem o pronunciamento correto, não permitindo destoar. No máximo soaria como "Deus te faz feliz!". Além disso, para mim, parecem realmente expressar um desejo enorme de ver a felicidade dos filhos, sobrinhos e afilhados ou netos devidamente entregues a Deus. 
Felicidade não é dom divino; é compromisso humano
Com a frase escrita, então, o ato se torna mais belo, pois sua inscrição se transforma em espelho, universalizável: inscrito não para si, mas para o Outro, pela leitura deste o ato reflete seu poder a quem o inscreveu. Quer dizer: o efeito é remetido para a coisa onde ele está inscrito, como num carro, por exemplo, ou para quem quer que lhe esteja relacionado: dono, motorista etc... Diferentemente de “Deus é fiel”, “Guiado por Deus” ou “Propriedade de Jesus”: discursos vazios que só falam do medo de quem os inscreve.
Claro que, apesar da beleza daquele discurso, ele resulta em outro problema, pois pressupõe que a felicidade seja um dom divino. Ora, isto seria um absurdo! Afinal, como poderia Deus escolher quem será feliz e quem não?! Que injustiça seria condenar alguém à infelicidade já desde o nascimento?! Por isto, em verdade vos digo: felicidade só pode ser um compromisso humano. E muitos deficientes dão prova disso.
Não sei com quem meu pai aprendeu a benzer deste modo, uma vez que minha avó paterna dizia, geralmente: "Deus te dê juízo!". Seria muito bom se ela fosse kantiana, pois, certamente estaria dizendo "Deus te dê discernimento!". A minha dúvida é se esse tal juízo, para ela, correspondia tão-somente a um aprimoramento da capacidade de julgar, ou seja, à sensatez, ou simplesmente ela queria mesmo era dizer que me achava um sem-juízo, isto é, meio maluco. Realmente não sei. 
Meu avô materno também se pronunciava com singularidade. Ele dizia: "Deus te dê boa fortuna!". Apesar de não ser ele um leitor de Maquiavel, eu acredito que o sentido estava mais para "boa sorte", do que mesmo para acúmulo de riqueza, como seria comum acreditar. Isto porque ele me parecia alguém tão sublime, que a riqueza material certamente lhe aparentava supérflua.
Só sei que, de qualquer modo, o pressuposto de todos esses discursos ou atos de fala é que, materialmente, pede-se para os descendentes aquilo que eles não tem ou o que se acredita ser melhor para eles. O legal é que minha irmã parece resumir tudo isso, dizendo: “Que Deus continue te abençoando ricamente!”... Agora, vai dizer isso para um desgraçado!
Metafisicamente, no entanto, pedir ou dar a bênção, isto é, benzer ou bem-dizer pressupõe valer-se da crença de que a palavra tem força, poder: de súplica, de concessão, de transformação. Tanto é que na sabedoria popular algumas pessoas ainda se recusam a pronunciar determinadas palavras como "câncer", substituindo-a por "CA", nome do exame usado para diagnosticar o tumor; ou mesmo por "a doença maldita" [mal dita], ou simplesmente por "aquela doença".
Outras pessoas jamais ousam pronunciar o nome "diabo", substituindo-o por vários outros como: "o capeta", "o demo", "o tinhoso", "maligno", “maldito”, "coisa-ruim" e até "diacho", como falam meus tios, como se o demônio fosse tão burro que não percebesse a mudança do nome, e assim não pudesse se apresentar ao chamado.
Entretanto, abençoar ou render graças, a rigor, querem dizer a mesma coisa: bem-dizer para ser divinamente agraciado. Mas, por que as pessoas se valem apenas do sentido metafísico se toda mística exige uma atitude? Que sentido terá a linguagem, sem uma ação que a corrobore? Como é possível, afinal, dar graças a Deus por tudo, e nada fazer, de fato, em troca, em real agradecimento? E que significa agradecer, senão reconhecer o feito? Se Deus, realmente, sabe tudo, pois tudo vê, ele vai se contentar com o fervor ou o vazio de palavras, sem que a vida do falante expresse tamanho reconhecimento?
Bem dito seja! Bem feito também!

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Acidentes Acontecem

Minha filha e o namorado dela escaparam ilesos de um capotamento, graças aos cintos de segurança. Mas este não é suficiente para arriscar a vida em velocidade desnecessária.
Diz-se, geralmente, que "acidentes acontecem", assim como dizem que "errar é humano". Isto, porém, soa mais como desculpa de quem não quis pensar no que tinha que fazer e nas consequências de sua ação. Talvez o erro humano seja, até metafisicamente, inevitável, ou incontrolável. Paradoxalmente, contudo, parece quase sempre possível evitar um acidente. 
Quantos animais humanos aprendem com a aposta cruel?
Desde Aristóteles, acidente [symbebekos] é, por definição, o que não é essencial, pois não faz parte da natureza do ser. Se não é necessário, então, nada obriga que ele aconteça. Ora, se nada o impõe, então por que ele ocorre? 
Qualquer acidente tem pelo menos uma causa. E é possível encontrá-las. Evidentemente, é mais fácil e mais cômodo atribuí-las a forças superiores, entidades fantasiosas do bem ou do mal. Mas, isto não explica nem ajuda a evitá-los. Afinal, que justiça divina haveria em proteger um irresponsável que acidenta inocentes no trânsito, por exemplo, quer sejam crianças, anciões ou trabalhadores? Ademais, se as causas são forças incontroláveis, como da própria natureza, então, a rigor, não consiste em acidente, visto que era forçoso, tornando-se necessário seu acontecimento. Na realidade, isto caracteriza o "incidente", uma vez que apenas incide sobre algo, mas tinha que acontecer. 
É como um raio cair sobre uma árvore ou um animal indefesos: eles não tinham como prever. Na verdade, a árvore ou o animal o atraíram. Aliás, só é previsível o que já é conhecido e pensado. Imagine uma manada de zebras a atravessar um rio com crocodilos: alguma aventureira que nade pelas bordas do corredor da morte fatalmente cairá em desgraça na boca de um sortudo e faminto crocodilo. É cruel. Mas é mera aposta. Elas tem que atravessar. E eles tem que comer.
Mas na vida humana não precisa ser assim. Ela tem que ser distinguida da vida animal. Observe-se que o que fazemos no dia-a-dia em muitos casos não é necessário. E se o é, disputamos apenas com as forças humanas ou com o ambiente. O ambiente é previsível. O ser humano nem tanto. Porque o ser humano erra; e suas motivações são várias e inacessíveis se a vida do agente é desconhecida a quem lhe interage. Tudo isto, porém, pode ser suposto, presumido. E como tal, antevisto como medida da ação razoável (com o perdão do pleonasmo semelhante à ação humana [práxis], no sentido grego). Quer dizer: nossas ações precisam ser antevistas, planejadas em função do que é provável acontecer, de modo a se preparar para saber o que fazer se o possível se efetivar. 
O erro humano reside na dificuldade de avaliar todos os possíveis e também na falta de habilidade para reagir a eles. E é ele, certamente, a causa primeira dos acidentes: por ignorância ou negligência. Mas, por que descuidar do que lhe é mais precioso: a vida? A avaliação, contudo, é facilitada pela análise do já ocorrido. E o instrumento para tal é o pensamento. É por ele que se deve observar quais erros causaram determinados acidentes e como é possível evitá-los: por similitude do observado antecipar-se ao provável. Os animais humanos, porém, se negam a pensar. Eles se contentam em olhar as imagens ou contar as histórias, como jornalistas que relatam fatos, sem qualquer análise, potentados de um saber que de nada serve; pois, que proveito se tira disso, senão dizer-se informado? Mas, que formação tais matérias proporcionam à vida humana, cidadã?
Se reconhecemos o erro nos outros, por que temos que os repetir? Por que temos que errar para aprender, se os outros já o fizeram por nós, desgraçando a vida? 
Que aposta cruel! 

domingo, 24 de julho de 2011

Rituais de Passagem

Olhamos a vida como um fluxo contínuo. E é. Ela é una. Mas a vida em sociedade se divide em etapas. O culto a determinadas conquistas nos faz ver a vida do indivíduo marcada por fases. 
É disto que se constitui a cultura: o registro do culto à vida dos indivíduos, num ritual de passagem entre a vida particular e a social, em determinada época; pelo fato de ninguém se realizar sozinho: aniversários, batismos, casamentos, formaturas etc, inclusive funerais, pela dor da morte, todos são cultos à vida. 
Contudo, são apenas ritos de passagem. Pois o indivíduo passa, mas a vida continua. Por isso perfazem a memória de uma sociedade. 
Sabemos o que nos leva ao rito. Mas, aonde ele nos leva? O que vislumbramos na passagem? Tem futuro isto? Afinal, o que isto pode nos dizer de nossa humanidade? 

terça-feira, 31 de maio de 2011

E Por Falar em Saudade

Curiosamente, a percepção do tamanho do tempo, assim como do espaço, depende sempre do tamanho da própria percepção. Seria isso o que Kant quis nos dizer com seus conceitos de tempo e espaço como formas mentais a priori? Basta lembrar como parecia grande o quintal da casa em que moramos na infância; as praças, as ruas etc. Como parecia distante terminar um ano de estudos, dez anos escolares; depois mais quatro de universidade... e ter filhos? E atingir a idade do meu pai? ...E do meu avô, então!... Lembro-me quando preparei o jardim da minha casa com banquinho onde minha filha deveria namorar e meu pai estranhou... claro, porque ela só tinha dois aninhos. 
Hoje eu me surpreendo em ver a rapidez com que minhas filhas cresceram. Elas já sabem namorar e nem perceberam o banquinho. Ou o perceberam muito bem. Minha Princesa JÁ(?) está cursando universidade, e minha Princesinha prestes a ingressar também. Agora eu já temo a brevidade do tempo em que elas assumirão vida própria... e eu ficarei a desejar netinhos como que para superar a saudade do tempo delas.
Ariadn, quando criancinha, parecia ter muito curto o seu tempo da saudade de mim. Enquanto Ahmina registrou em vinte dias o seu tempo, e eu quase não resisti a tanto, o de Ariadn era tão curto que me fazia sofrer pensando na dor que ela sentia quando eu me ausentava por alguns dias.
A lição me veio quando ela ainda nem tinha dois aninhos e eu precisei viajar em vista da seleção do Mestrado. Foi uma semana de sofrimento, ligando pra casa toda noite, pra saber como ela estava.
Ahmina já tivera sua experiência, portanto, não estava nem aí. Mas, Ariadn estava lá, sim: querendo falar comigo ao telefone; sem ter muito o que dizer, mas me dava a impressão de que ela queria pelo menos ouvir minha voz, sentir a minha presença virtual. E o pior é que ela adoeceu. Felizmente, elas estavam em Natal, com os avós, e cheias de paparicos dos tios (ou seria titiricos e vovoricos?). Por isso eu sabia que estavam bem cuidadas. Ademais, eu nada podia fazer, exceto buscar informações, apesar da tensão das minhas provas.
Então, ao fim de uma semana, voltei pra casa, consolado pela missão cumprida, mas preocupado sobre como eu encontraria minha Princesinha. Para minha triste surpresa, já no portão encontrei meu pai saindo no carro, para o hospital do coração, com minha mãe, vítima de um infarto. E no terraço, deitada numa rede estava minha menininha, dormindo. Assim, eu não poderia ter dela a recepção calorosa que eu esperava. Mas, recepcionado por Ahmina, sua mãe, e os meus irmãos, curiosos em saber como fora minha missão, eis que, ao ouvir minha voz, de súbito Ariadn sentou-se na rede, abaixando a lateral com sua mãozinha e dizendo, num misto de dúvida e alegria em meio ao sono: Painho?!!! Ninguém resistiu à cena surpreendente e todos rimos. Eu apenas peguei suas mãozinhas, desprendendo-as das laterais, e beijei-a na testa, entre os olhos, induzindo-os a se fecharem, e fazendo-a deitar-se novamente. 
Lembro que a tia disse: Pronto! Agora ela não dorme mais... só falava nesse pai; chega adoeceu de saudade! Curiosamente, porém, ela voltou a dormir tão rapidamente quanto se levantou. Dormiu a tarde inteira, como a descansar de uma árdua batalha. E ao se acordar, felizmente, ela já parecia curada.
Daí entendi que saudade pode ser cruel para uma mente despreparada. Parece funcionar como a dor da abstinência que sofrem os viciados. Então, eu precisava fazê-la curar-se, desprender-se de mim, pois eu não poderia funcionar como uma droga, cuja ausência fazia sofrer minha garotinha. Ela precisava aprender que minha ausência não era perda; e a se preparar pois não me teria para sempre.
Parece que funcionou. Consegui curá-la de mim. Tanto que hoje já não sei qual o tempo da sua saudade. Eu já não consigo medi-lo, pois nunca resisto passar mais de trinta dias sem elas, ausente de qualquer contato. Preciso ter notícias; ouvir a voz, vê-las via internet; ler seus textos, suas mensagens, seus pensamentos, mesmo que não tenham se endereçados a mim. Por isso, quando Ahmina viajou para Paris eu lhe pedi para criar um blog de viagem, no qual ela postava suas fotos e notícias quase diariamente.
Apesar de não saber mais qual o tempo de saudade delas, uma vez que eu não consigo deixá-las sentir saudade, contento-me em acreditar que elas conseguiram superar esse tempo. Consolo-me na crença de que isto signifique independência emocional! Quanto à minha saudade... ah! No meu tempo eu dou meu jeito!!!

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Do Tempo da Saudade

De tantas coisas boas que minhas filhas já me ensinaram, uma das mais importantes foi, sem dúvida, sobre o tempo da saudade.
Ahmina tinha uns cinco anos de idade quando viajou sem mim, pela primeira vez. Ela foi com a avó, passar férias em Natal. E eu, ansioso para vê-la experimentando a liberdade, nos seus primeiros passos de garotinha independente que eu tanto cuidei para que ela se tornasse,  tratei logo de orientá-la. Embora certamente eu estivesse louco para ser seu observador supremo: deixando-a ir, sem, contudo, perdê-la de vista. Então eu lhe disse: Filha! Você pode ir pra casa de quem você quiser, dos seus tios ou seus avós, desde que lhe queiram lá e que alguém possa levá-la. Mas quando sentir saudade é só ligar que painho vai buscá-la.
Ocorreu que todo dia eu ligava pra ela, onde ela estivesse. E fazia questão de falar com ela. E, curioso e ansioso, eu lhe perguntava: Filha, está com saudade?
É claro que ela não estava. Na verdade, quem estava com saudade era eu. E ficava tentando transferir para ela o meu desejo, a vontade de que ela sentisse saudade tanto quanto eu estava sentindo. Mas, isto eu não percebia. Eu certamente o fazia inconscientemente. A rigor, eu só percebi depois de uns cinco dias ligando, geralmente à noite, antes de ela dormir. Foi quando eu lhe perguntei: Filha, está com saudade? E ela me respondeu, com  toda a sinceridade de uma criança: Ô, painho, você não deixa...! E que mais eu podia fazer senão sorrir e chorar em gargalhadas, pela lição aprendida?
Foi, então, que eu me dei conta de que a saudade carece de tempo. E que esse tempo é diferente em cada pessoa. Que é preciso que deixemos o ser amado livre de nós se quisermos que ele também sinta saudade. É preciso respeitar o tempo do outro. Não há necessidade de que o tempo dele seja igual ao nosso. Sinceramente, eu me maravilhei com tamanha sabedoria, vinda de uma criança.
Desde então, tratei de não mais incomodá-la com a minha virtual presença, com a minha voz, tampouco com a minha pergunta constrangedora. Contudo, não deixei de ligar, pra satisfazer a minha saudade. No entanto, eu apenas procurava saber notícias dela: onde estava, como, com quem, e pedia apenas que lhe dissessem que lhe mandei um beijo.
Até que após vinte dias contados, ela pediu pra avó ligar pra mim e me disse: Painho, estou com saudade! Venha me buscar! Esta foi uma das frases mais maravilhosas que já ouvi. Simplesmente, porque sei que ela veio no tempo próprio de quem a pronunciou; sem vício, sem obrigação. Não era necessidade. Nem sedução. Era apenas desejo e decisão de satisfazê-lo. E o melhor: ela nem me perguntou se eu também estava com saudade. Afinal, há pergunta mais constrangedora do que aquela que lhe obriga a concordar com o que ela já está induzindo? ...Estou com saudade, e você, está com saudade de mim? ...Eu te amo, e você, também me ama? Para piorar, ainda há quem acrescente: ...Quanto você me ama? É muito ou pouco?
Em setembro passado, quando ela viajou para estudar três meses em Paris, ao nos despedirmos no aeroporto, relembrando a cena eu lhe disse: Filha, quando sentir saudade ligue que painho vai buscá-la. Ao que ela me respondeu, mimosamente: ...o senhor não vaaaai!...

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Stairway to moon


Stairway To Heaven Led Zeppelin


There's a lady who's sure all that glitters is gold
And she's buying a stairway to heaven
And when she gets there she knows if the stores are all closed
With a word she can get what she came for

Oh, and she's buying a stairway to heaven

There's a sign on the wall but she wants to be sure
'Cause you know sometimes words have two meanings
In the tree by the brook there's a songbird who sings
Sometimes all of our thoughts are misgiving

Oh, it makes me wonder
Oh, it makes me wonder

There's a feeling I get when I look to the west
And my spirit is crying for leaving
In my thoughts I have seen rings of smoke through the trees
And the voices of those who stand looking

Oh, it makes me wonder
Oh, and it makes me wonder

And it's whispered that soon, if we all called the tune
Then the piper will lead us to reason
And a new day will dawn for those who stand long
And the forest will echo with laughter

Woe, oh
If there's a bustle in your hedgerow
Don't be alarmed now
It's just a spring clean for the May Queen

Yes there are two paths you can go by
But in the long run
There's still time to change the road you're on

And it makes me wonder

Oh

Your head is humming and it won't go, in case you don´t know
The piper's calling you to join him
Dear lady can you hear the wind blow and did you know
Your stairway lies on the whispering wind

And as we wind on down the road
Our shadows taller than our souls
There walks a lady we all know
Who shines white light and wants to show

How everything still turns to gold
And if you listen very hard
The tune will come to you at last
When all are one and one is all, yeah

To be a rock and not to roll

Oh

And she's buying a stairway to heaven


http://www.vagalume.com.br/led-zeppelin/stairway-to-heaventraducao.html#ixzz1NW8VpIEE

domingo, 15 de maio de 2011

Dicas do Olhar

Por que me olhas tanto assim? 
...A querer me paquerar?
Não sabes que mesmo sem te mirar eu te observo
E que se não te olho, é apenas para não iludir com o meu o teu olhar?
Achas que isto é paquera?
Como pode sê-la sem um cruzamento de olhares sequer
Conscientes
Disfarçadamente intencionais?


Desculpa!
Se percebes que teu olhar me incomoda
Que prazer sentes em mirar-me incomodamente?
Quisera fosse admiração!
Mas isto supõe respeito
Sem o que, tal sentimento tornar-se-á vão!



Perdoa 
Por que te olho assim
A te admirar!
Se não me retribuis a mirada
Então, desisto!
Aquieto-me, talvez triste!
Mas não quero te constranger


Falar-te, então?!...
Nem há o que te dizer
Que já não te tenham dito
Pois se ainda te agrada o que já ouviste
Lamento, mas nem me vale a pena o risco!


Logo, me calo!

Mas não silencio o pensamento
Para não me perder em querer-te:
Afinal, por que deveria eu te interessar
Se também me ocorrem olhares que não me interessam
Nem mal me fazem? 

E por que deveria eu por ti me interessar 
Se observo que por mim não te interessas?
Se te decepciono
Infeliz ou felizmente
Também é minha a decepção


Resta-me, pois, assistir-te em passeio
Indo-se tal como veio a cena:
...Sem câmera 
Lentamente
Sem a esperança de ainda encontrar-te
Exceto em tantos olhares
Que comigo também hei de guardar-te!

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Tempo?

Por que se deixar levar pelo tempo?
Aonde ele nos levará, senão à velhice?
E o que fazer ao chegar, se tudo já passou fatidicamente?


O tempo não tem nada a nos dar, exceto tempo.
E, como um deus, o que ele nos dá, também tira
Pois, se não o consumimos, perdemo-lo, consumidos, ironicamente.


Não se deixe levar pelo tempo!
Ele não tem nada a lhe dar
E o que restará, senão a cobrança por como o marcou com seu talento?

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Diagnóstico do Medo

A médica era homeopata. Interessada em aplicar na medicina uma visão holística. Então, para não se deter apenas no sintoma, efeito ou fenômeno, ela provocou seu paciente: "Fale-me dos seus medos! Do que você tem medo?"
E ele lhe respondeu: "...De médico e policial."
"De médico? Por quê?" No seu espanto, a sua pergunta denotou o preconceito: é normal ter medo de polícia. Mas, de médico?!
Porque ambos, médico ou policial, - disse ele - podem ter minha vida em suas mãos. 
Um erro médico pode me tirar a vida, minha ou de um ente querido, ou causar danos irreversíveis, e nem ser denunciado, graças ao corporativismo da sua ética profissional. E o policial, por erro ou má intenção, pode transformar em bandido um cidadão pacato. Ambos valendo-se da autoridade lhes concedida: pelo suposto saber e pela lei. Paradoxalmente, um com o dever de salvar vidas e o outro, de protegê-las. Ambos com o poder de cometer injustiça. 
E ela sintetizou: Então, você tem medo de injustiça.
É certo - respondeu. Pois, a quem caberia reparar injustiças? O advogado. 
Mas, como confiar nele, se ele também se vale apenas da  autoridade lhe concedida? Ora, como reparar injustiças, sem o senso de justiça? Haverá nesse profissional tal valor, além do visado dinheiro e almejada fama? Sem o valor da justiça vivenciado em família e apreendido desde a infância, não está em seu ofício o maior poder de cometer injustiças?
Retumbante, ela diagnosticou: Seu mal é grave. E está se alastrando por toda a sociedade...


quarta-feira, 4 de maio de 2011

Poder de Sedução

(ou Acalanto de Sofia)

Queria eu ter o poder de sedução no olhar:
Desfechando raios de visão
A quem me apetece
instigando-lhe os desejos de prazer
Que eu quisesse
Queria eu ter o poder de sedução
Na minha pele, em minhas mãos
Na epiderme dos meus dedos
Para que eu tocasse com meus desejos
O alvo do meu olhar mal sucedido
E lhe despertasse em paixões
Como as que sinto
Não como quem acorda de um sono maldito
Mas como quem se entrega a um encanto
Pois o encantado é sempre mais bonito!
E assim eu te tocaria a pele carinhosamente
E eu te afagaria o corpo
E te faria minha em meus braços
Como em minha mente
Deleitosamente
Como quem semi-adormece, absorta, em plena dança
Embalada pela melodia divinal que alcança o que eu quis
Amparada, aconchegada em meu abraço

Então tu me farias um deus
Pelo poder me concedido
De te fazer feliz
E, como tal, eu eternizaria o instante
Assim, o antes permaneceria agora
Como jamais perdido nem como sonho de outrora
Mas eu não posso
Então desperto, desencantado
Não me foi dado tal poder de sedução
Nem no olhar, sob essa visão mediata
Da qual escapa o teu miúdo e fúlgido olhar
Quando eu, mudo, quedo-me a escutar-te
Se não me queres escutar
Nem na minha epiderme grosseira, frente à tua tez
Com a maciez da espuma
Que meus dedos não ousam tocar
Sem tal poder, restam-me as palavras
Que me levam ao átimo fugaz do ser
Capaz de, se não te seduzir
Pelo menos fazer-te saber
Dessa paixão que eu te faria tão bem sentir
Apelo às palavras, minhas confessionárias
Pois se não me ouves tu o que te quero dizer
Digo a mim mesmo em poesia
Do prazer que, sem te ter, espero
Quando puder me despedir sem pranto
Pois se não posso ter-te minha
Meu é o poder de te dizer "te quero"
Mesmo que seja em acalanto:
Ai, como eu te quero, Sofia!
                             

domingo, 24 de abril de 2011

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Paternidade

Filho? 
Filho não é um poema que faço e te dou
E que doravante é só teu
Tendo apenas de mim
A assinatura de autor
Filho tem que ser como uma poesia
Que fazemos juntos
E que é nossa
Até que o mundo a ganhe
...Ou que que ganhe ele o mundo
Em sua existência
Independentemente do pai
Ou de quem assinou
Porque paternidade não é autoria
É parceria!

É convivência!
Da existência para a eternidade...

domingo, 27 de março de 2011

Brincando a dois com a Lua

Laurent Laveder
Brincando de pega-pega ou tica-tica
A Lua ri dos dois:
Tão perto chega
Tão longe fica...

sábado, 26 de março de 2011

domingo, 20 de março de 2011

Poema Visual

Ontem a Lua merecia um poema
Quem lhe fez?
Ela até chegou mais perto para pedi-lo
E a noite nua fez-se poesia
Do nascente ao poente
O poema ontem foi a Lua!
Foto de Fernanda Augusto

Muitas Perguntas e Poucas Respostas


O que fazer quando tudo parece tão confuso... quando os sentimentos nos confundem e não temos a quem recorrer? Por que somos tão complicados? 


Não precisamos ser complicados.
Nem devemos deixar os sentimentos nos confundirem.
Quando as coisas nos parecem confusas, nós precisamos identificar o valor de cada uma delas para nós:
Quais tem valor permanente? 
Quais tem valor passageiro? Por que elas valem tanto?
Elas valem, de fato, para nós? Ou valem apenas para alguém que quer nos dominar através delas?
Vale a pena continuar valorizando-as por alguém, e não por nós mesmos?


As vezes nos apegamos a alguém sem pensar se realmente tem sentido algumas coisas que fazemos. É preciso identificar alguns valores para depois se arriscar. 
Você poderia me explicar o que realmente é REAL, se é que existe algo real nesse mundo? 
E a VERDADE? Só a gente pode identificar? Ou isso passa despercebido? 
A verdade da qual falo é sobre o sistema social e psíquico. 
Tem algumas tecnicas para o questionamento? Como não se sentir pequeno diante de alguém? 
São muitas as perguntas para poucas respostas.

A provocação agora salta do campo clínico, da angústia existencial, para o âmbito propriamente filosófico.

...Infelizmente, não apenas "as vezes nos apegamos a alguém sem pensar...", mas sim, geralmente fazemos isto.
É nesse sentido que alguns filósofos e a grande maioria das pessoas entendem a paixão como uma desrazão.
E é. Mas, não por negação; e sim por distanciamento. Porém, não precisa sê-lo. A razão pode e deve examinar aquilo que desperta uma paixão: os valores.
Isto não é fácil, claro: "parar para pensar..."; mas é bom; é saudável.
E, como tudo o que é saudável, exige exercício e inclusive ajuda externa, até que se esteja seguro, disciplinado.
Pois, não é a razão quem decide. Ela apenas examina as origens e avalia as consequências.
Quem decide, realmente, é a sensação, os sentidos, os sentimentos, as emoções; enfim, a paixão.
Ora, na realidade, as coisas existem independentemente de nós, sujeitos pensantes. Elas estão fora do nosso pensamento.
No entanto, elas só tem sentido para nós, em relação conosco, quando as percebemos, por isso as pensamos.
Por isto o real é aquilo cuja existência é apreendida e explicada, objetivamente, pela universalidade da razão; não apenas pelo pensamento particular, subjetivo, de um indivíduo.
Por conseguinte, a verdade é a objetividade que o discurso explicita de uma coisa. 
Ora, claro que tal objetividade depende da percepção do sujeito e de suas crenças e intenções. 
Mas, as crenças podem ser refutadas e as intenções devem ser avaliadas.
Em sendo assim, o que é dito, falado, comunicado, expressado em discurso, tem que ser percebido, isto é, apreendido, captado pelos sentidos.
Mas, se os sentidos não forem treinados, aperfeiçoados pela razão, como perceber as coisas e a verdade sobre elas?
Quero dizer que o seu discurso denota a perspectiva subjetivista: "só a gente pode identificar?". Sim, claro! Se o sujeito não identifica a coisa, então ela "passa despercebida", como não tendo existência para ele. No entanto, não significa que ela não exista, visto que outros a percebem. Portanto, talvez sua percepção não esteja treinada para "identificar" tal coisa; como quando ouvimos alguém falar em outra língua e não conseguimos identificar o que é dito porque nossos ouvidos não estão treinados para tal. 
Nesses termos, a verdade "do sistema social" só pode aparecer pela percepção das relações sociais efetivas: instituições, regras, crenças comuns e os valores que as sustentam. 
No âmbito do "psíquico" ela exige a relação entre os valores, as crenças e o comportamento pessoal.
As crenças transparecem no discurso, e os valores no comportamento. Mas são estes que dão sustentação àquelas. Então, como se relacionam?
Eis a questão!
Se há "algumas tecnicas para o questionamento?" Não creio. Ou desconheço. Ignoro. 
Mas há um princípio: é querer saber. E para quê? Para viver melhor, simplesmente. Pois, parafraseando O Rappa: "Perguntar por que, eu não vou fazer (...) Será que é necessário estudar..." Estudar pra quê? Como observou o meu amigo Rubens: ...Só pra morrer sabido?
De fato, se a busca do saber não servir para se viver melhor, como um aperfeiçoamento da humanidade pelo sujeito, ou seja, na relação do indivíduo com os outros, que perfazem a tal humanidade, então, infelizmente, tal saber só serve para morrer sabido. E por que se tem que morrer sabido? 
Daí, para "não se sentir pequeno diante de alguém" é preciso saber do seu próprio tamanho e do outro.
Mas que sentido há nessa diferença de tamanho? Para que ela serve?
Talvez o problema não esteja nela, mas em quem a provoca: você ou o outro? E por quê? Para quê? É necessário focalizá-la?
Como você bem disse, "são muitas questões e poucas respostas". 
Vale observar, contudo, que as questões qualquer pessoa pode fazer, por isso são tantas: no entanto, elas humanizam quem as faz.
As respostas sobre a própria vida, entretanto, só o próprio sujeito pode dar-se.
Pois, que valor teria uma verdade que eu lhe desse sem que você soubesse o que fazer com ela?