domingo, 9 de outubro de 2011

Educação Mítica e Racionalidade

Ponta do Seixas, João Pessoa-PB [Google imagens]
Certa vez, num banho de mar na Praia do Seixas, em João Pessoa, observando aquela imensidão de água, Ariadn Raílla (minha filósofa aos 5 anos) aproveitou para me perguntar sobre uma história que ouvira acerca da origem da grande Lagoa do Bonfim, que conhecera na Grande Natal. Ela queria saber o que havia de verdadeiro em torno de uma suposta cobra que teria engolido uma menina, ou de uma criança que teria se transformado em cobra e que viveria até hoje na lagoa. 
Curioso pelo que possivelmente ela quereria saber, observei-lhe que, certamente, há pelo menos duas versões dessa história: uma que diz que a criança teimou com a mãe e foi engolida pela cobra; e outra segundo a qual uma menina teria se transformado numa cobra. 
E comecei: – Contam os antigos que quando ainda não existia a Lagoa do Bonfim, mas apenas uma pequena cacimba lá naquele lugar...
Então a filósofa perguntou: – O que é uma “cacimba”?
Ora... Você sabe o que é uma poça de água, como aquelas pequeninas lagoas que ficam nas ruas de barro após uma chuva?
Sei. – respondeu ela.
Pois bem – retomei –, uma cacimba é uma lagoinha, como uma poça d’água, só que com água jorrando de dentro da terra. Entendeu?
Claro!
– ...Pois dizem que uma menina queria ir brincar na cacimba, mas a sua mãe não permitia. A mãe falou que era perigoso, uma vez que lá morava uma cobra grande pronta pra pegar criança teimosa. Apesar disto, a menina aproveitou-se de um descuido da sua mãe e foi às escondidas. Em lá chegando, pôs-se a brincar prazerosamente, sozinha, tomando banho e batendo na água com o fundo externo da sua vasilha. Uma versão conta que ela estava sentada numa pedra à beira da cacimba, enquanto brincava, e não percebeu que o nível da água subia inundando tudo ao redor e que, por conta da sua desobediência para com a sua mãe, a menina transformou-se numa cobra grande que ainda hoje vive na lagoa. 
Outra versão conta que a pedra em que a criança estava sentada, ao ser encoberta pela água, transformou-se numa cobra pela qual a menina foi imediatamente devorada enquanto todo aquele baixio era alagado transformando-se na lagoa que é hoje. 
Ariadn Raílla: Lagoa do Bonfim, São José de Mipibu-RN
Outros ainda crêem que, na verdade, aquela pedra era uma cobra adormecida, que despertou com o barulho da vasilha e com a água banhando-a, pelo que, raivosa e faminta, engoliu a menina. Em suma, o que há de comum entre essas versões é que a teimosia da criança marca a origem daquela lagoa onde até hoje, conforme acreditam, vive a tal cobra, como o bom fim do castigo a quem desobedece à mãe naquela região.
A pensadora, então, na sua sapiência pueril, perguntou: – Mas isso não é verdade não, é? É apenas uma história para criança não teimar com a mãe, não é?
E eu, percebendo assim o que ela realmente queria saber, acrescentei: – Realmente não é verdade. É apenas um mito, isto é, um modo simples de educar um povo: contando-lhe histórias bonitas que servem para explicar a origem das coisas importantes para a região, como aquela lagoa; e provocando nas crianças o medo de desobedecer à mãe.
Ah! – ilustrou-me o seu raciocínio – Quer dizer que não é verdade, mas se a criança teimar pode acontecer com ela, não é?!
Isto me fez entender como o discurso mítico faz parte da racionalidade infantil. Pareceu-me claro o quanto a criança é capaz de compreender o que é dito racionalmente, mas ao mesmo tempo se apraz com certa leitura de mundo que fala de medo e desejo e de suas consequências na formação do nosso comportamento. Embora reconhecendo tais histórias como “mentiras”, sua racionalidade reconhece também o valor que elas tem na própria educação, desde que a razoabilidade do mito seja explicitada.
Por isso eu concordei com ela, dizendo: – ...De certo modo sim. Não que ela se transforme em cobra ou que seja engolida por uma, mas que ela pode, de fato, ser ferida por algum animal ou planta e, apavorada, não resistir; assim como, uma vez assustada, a criança pode se descuidar, acidentando-se sem condição de sobreviver sozinha. De qualquer maneira, há sempre perigo para uma criança brincar isolada onde a água é mais volumosa. 
No entanto, Ariadn também sabe que nem sempre isso pode ser dito a uma criança de modo tão explícito. Pois, sem a experiência da dor, o desejo inibe qualquer noção de perigo. E o que desperta a atenção é o medo do desconhecido. 

4 comentários:

Ariadn disse...

Olha eu!! Que lindo!! Amei. A memória do senhor é melhor do que a minha! kkk bjsss

Will Coelho disse...

...Certamente nela há algumas coisas q marcaram a mim e não a vc. Bjs

ahmina disse...

Da minha memória eu nem comento, né? =]
Adorei!! :*

Aryanne Queiroz disse...

Acho fantásticas suas lembranças de pai. Conte-as sempre! :)