domingo, 16 de fevereiro de 2014

Chegou o Tempo

Observo o meu Platão ansioso para passear. Assim ele me diz que já é fim de tarde. Mas, ele sabe a hora do passeio? Ou sua experiência lhe é apenas retomada pelo evento do entardecer? ... A brisa, a penumbra, o odor da relva, os sons vesperais da passarinhada... Coisas para as quais nossos sentidos não estão atentos. Mas os dele, sim. Diria ele: "chegou o tempo do passeio"? Penso que não. No máximo: "quero passear".
Então ele vai e me chama. E desanima se não lhe dou atenção. Mas se anima a cada gesto meu: levantar-me, ajustar nos pés as sandálias e, principalmente, por nos ouvidos os fones do celular e, enfim, exibir-lhe a corrente dele. Mas isso são eventos. São indícios. Se eu não fizer essas coisas ele nada saberá da hora do passeio. Porque ele não sabe de hora. Ele não sabe de tempo.
Ao chegar no pátio da igreja, ele sempre faz sua oferenda. Às vezes, mais de uma. Porque o lugar o induz. Por vezes até tenta sem conseguir. Até me iludo: como se ele fingisse, para me enganar. Mas ele não oferenda onde elas já existem. Porém, onde existiram: dele ou de outros animais. Seu guia é mais o olfato do que a visão. Não o tempo nem o lugar. Porque tempo e espaço são criações nossas. De nossa mente humana, que vai além da nossa percepção. Porque esta é insuficiente.
Então, "chegou o tempo" soa-me estranho. Pois, se chegou, ainda não estava. Ainda não era. Ora, onde estava? O que era? O que sabemos que ainda não era nem estava, só estava em nossa mente. Só era potencialmente. Não era real. Era apenas na potência mental que o visualiza acontecendo. 
Assim sendo, não foi o tempo que chegou. O que chegou, de fato, subjetivamente, foi a decisão de realizar algo. Ou, objetivamente, chegou algo já esperado: efetivando-se. Isso significa que confundimos o tempo com o evento, isto é, com o que, de fato, acontece.
Observem as aves, durante um eclipse. Elas se recolhem para dormir. Pensariam elas ser o momento de descanso? Por isso, nos aviários industriais há luzes constantemente acesas, para que as aves não durmam: não desperdicem tempo [de quem?]. Assim, elas não param de comer nem de produzir ovos. Então, engordam logo e morrem cedo. Certamente elas fazem isso porque não percebem o tempo; mas o evento: o escurecer. Logo após o eclipse elas despertam para um "novo dia". Mas, será que percebem o quanto a "noite" foi curta? Sem perceber a duração, como saber do tempo? E como fica seu cansaço que não cessou?
Nesses termos, parece que a diferença entre nós e os outros animais é que eles só percebem o evento. Enquanto nós criamos o tempo. Eles não tem dia nem noite nem horas. Mas, certamente, a percepção de claro, escuro e momento vivido, registrado: a experiência. Nada além da experiência de vontade e realização.

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