terça-feira, 2 de agosto de 2011

Acidentes Acontecem

Minha filha e o namorado dela escaparam ilesos de um capotamento, graças aos cintos de segurança. Mas este não é suficiente para arriscar a vida em velocidade desnecessária.
Diz-se, geralmente, que "acidentes acontecem", assim como dizem que "errar é humano". Isto, porém, soa mais como desculpa de quem não quis pensar no que tinha que fazer e nas consequências de sua ação. Talvez o erro humano seja, até metafisicamente, inevitável, ou incontrolável. Paradoxalmente, contudo, parece quase sempre possível evitar um acidente. 
Quantos animais humanos aprendem com a aposta cruel?
Desde Aristóteles, acidente [symbebekos] é, por definição, o que não é essencial, pois não faz parte da natureza do ser. Se não é necessário, então, nada obriga que ele aconteça. Ora, se nada o impõe, então por que ele ocorre? 
Qualquer acidente tem pelo menos uma causa. E é possível encontrá-las. Evidentemente, é mais fácil e mais cômodo atribuí-las a forças superiores, entidades fantasiosas do bem ou do mal. Mas, isto não explica nem ajuda a evitá-los. Afinal, que justiça divina haveria em proteger um irresponsável que acidenta inocentes no trânsito, por exemplo, quer sejam crianças, anciões ou trabalhadores? Ademais, se as causas são forças incontroláveis, como da própria natureza, então, a rigor, não consiste em acidente, visto que era forçoso, tornando-se necessário seu acontecimento. Na realidade, isto caracteriza o "incidente", uma vez que apenas incide sobre algo, mas tinha que acontecer. 
É como um raio cair sobre uma árvore ou um animal indefesos: eles não tinham como prever. Na verdade, a árvore ou o animal o atraíram. Aliás, só é previsível o que já é conhecido e pensado. Imagine uma manada de zebras a atravessar um rio com crocodilos: alguma aventureira que nade pelas bordas do corredor da morte fatalmente cairá em desgraça na boca de um sortudo e faminto crocodilo. É cruel. Mas é mera aposta. Elas tem que atravessar. E eles tem que comer.
Mas na vida humana não precisa ser assim. Ela tem que ser distinguida da vida animal. Observe-se que o que fazemos no dia-a-dia em muitos casos não é necessário. E se o é, disputamos apenas com as forças humanas ou com o ambiente. O ambiente é previsível. O ser humano nem tanto. Porque o ser humano erra; e suas motivações são várias e inacessíveis se a vida do agente é desconhecida a quem lhe interage. Tudo isto, porém, pode ser suposto, presumido. E como tal, antevisto como medida da ação razoável (com o perdão do pleonasmo semelhante à ação humana [práxis], no sentido grego). Quer dizer: nossas ações precisam ser antevistas, planejadas em função do que é provável acontecer, de modo a se preparar para saber o que fazer se o possível se efetivar. 
O erro humano reside na dificuldade de avaliar todos os possíveis e também na falta de habilidade para reagir a eles. E é ele, certamente, a causa primeira dos acidentes: por ignorância ou negligência. Mas, por que descuidar do que lhe é mais precioso: a vida? A avaliação, contudo, é facilitada pela análise do já ocorrido. E o instrumento para tal é o pensamento. É por ele que se deve observar quais erros causaram determinados acidentes e como é possível evitá-los: por similitude do observado antecipar-se ao provável. Os animais humanos, porém, se negam a pensar. Eles se contentam em olhar as imagens ou contar as histórias, como jornalistas que relatam fatos, sem qualquer análise, potentados de um saber que de nada serve; pois, que proveito se tira disso, senão dizer-se informado? Mas, que formação tais matérias proporcionam à vida humana, cidadã?
Se reconhecemos o erro nos outros, por que temos que os repetir? Por que temos que errar para aprender, se os outros já o fizeram por nós, desgraçando a vida? 
Que aposta cruel! 

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