quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Acerca de Palavras que Nutrem ou Envenenam

Em minhas redes sociais, como quem segura uma placa à margem do caminho ou entrega panfleto a quem passa, certa vez compartilhei uma postagem cuja ideia é a seguinte: "Se você comesse suas próprias palavras, elas nutririam sua alma ou a envenenariam?"

Um colega, então, respondeu-me como quem passa caminhando sem querer parar nem calar, dizendo apenas que a "reflexão é positivista. A palavra depende do contexto."

Perguntei-lhe, como quem acompanha o seu caminhar, se não é no contexto que também se nutre ou se envenena.

Ele respondeu, como se me apresentasse outra placa: "continua positivista".

Então insisti em acompanhá-lo no caminho, na pretensão de trazê-lo para a reflexão sobre o problema e lhe perguntei, privando-o da premissa - supondo que você esteja certo: o problema é o positivismo ou as consequências do uso da palavra?

Mas ainda fugindo do problema, como quem caminha sem parar pra pensar sobre o que ouviu ou leu, presumindo que sua opinião seja superior à panfletagem, ele apelou para o uso do argumento de autoridade e retrucou: "o problema é que você não está fazendo jus ao título acadêmico que você tem... Parece um sujeito de 'massa'."

Sob a intenção de fazê-lo perceber o problema e sua bifurcação em modos de discuti-lo, apelei, então, ao modo dele, como quem se interpõe à frente do caminhante para fazê-lo parar sem opção de fuga, e indaguei-lhe: como você faz jus ao seu título acadêmico, com respostas que escapam à investigação do problema? Não corresponde ao comportamento da "massa"? Se basta rotular [de positivista] para ser acadêmico, como fica a percepção do problema que realmente interessa?

Parece que isso não o fez parar, mas pausar ainda se esquivando, com um passo supostamente à esquerda, ao dizer: "agora, você está se aproximando da dialética", referindo-se à minha pergunta frontal sobre o título acadêmico e a investigação do problema. Mas, como que exibindo o panfleto ainda em sua mão, ele disse: "isso é postagem empirista".

E eu, me reportando à sua menção à dialética, retruquei-o dizendo que as perguntas são para fazer pensar e só pode pensar quem percebe o problema. Contudo, sobre o panfleto metaforicamente em sua mão contra o qual ele acusa de "postagem empirista", perguntei-lhe: Mas qual o problema nisso? Ater-se ao rótulo [de empirista ou positivista] não é ater-se à superfície do problema cujo frasco o rotulador nem abriu para analisar? 

Por um instante, enquanto ele se mantinha parado sem resposta, como a pensar nas imagens que lhe dei de "rótulo" e "superfície", retornei ao ponto da bifurcação nos modos de discutir, para mostrar-lhe que eu poderia seguir no caminho dele, se isso me interessasse, mas que eu ainda preferia que ele percebesse que havia outro caminho mais importante a percorrer. No entanto, para fazê-lo perceber como caminharíamos no pensamento dele, afirmei-lhe que, pelo prazer da discussão teórica, a pergunta seria: por que você diz que isso [a reflexão] é positivista?

Aparentemente, esta pergunta o fez, de fato, parar e pensar, visto que, depois de alguns minutos, ele admitiu que "isso é discussão para o tempo real", isto é, para fora das redes sociais, com o que concordei, pois, realmente, sem compreender o problema anunciado, haveria apenas desvio na rotulação de "positivista" ou "empirista", tal como o faz quem deprecia o mito por ser o discurso explicativo do senso comum sobre a realidade empírica, ou seja, o discurso do "sujeito de massa"; sem que o depreciador perceba, no entanto, as verdades subjacentes a esse tipo de discurso.

Entretanto, evitei que ele percebesse que sua resposta, como novo desvio, abria-me uma nova vereda, pois, se tal discussão só cabe em tempo real, fora das redes sociais, eu poderia perguntar-lhe por que, então, ele tentou levar-me por ela sem sequer analisar o problema anunciado na postagem?

Ouso pensar e arrisco dizer que fugir do problema, prático ou teórico, tal como a respeito do uso das palavras como nutrição ou veneno, pressupõe dois pensamentos assentados em uma sensação - a de insegurança: ou por se reconhecer ignorante sobre o problema e por preguiça ou despreparo no pensar, apela-se ao desvio no qual presume-se seguro; ou, por identificar-se com o problema e por medo de enfrentá-lo, logo apela-se para o desvio, acreditando-se mais seguro. 

Ora, racionalmente, quem ignora o problema mas quer conhecê-lo tende a questioná-lo para compreendê-lo; ou calar-se, supondo vergonha ao seu título acadêmico. Porém, quando o poder do título infla a presunção do ego, tende-se a desviar o caminho sem investigar o problema, o que, dependendo do uso das palavras, pode nutrir ou envenenar a alma.

Por outro lado, só se pode identificar-se com tal problema pensando dialeticamente sobre o movimento das palavras que, contrariamente, ao sair da boca, nutriria ou envenenaria a alma, porque, a rigor, antes de pronunciadas, elas foram, contextualmente, sentidas na afecção do corpo pelo ambiente e, por conseguinte, pensadas, supostamente, pela alma. 

A nutrição ou o envenenamento, portanto, não se dá após as palavras pronunciadas. Neste contexto, sua expressão é apenas sintoma da alma já afetada. A fala, infelizmente, apenas retroalimenta, nutrindo, como no ato de regurgitar, ou tentando envenenar os outros, como no ato de vomitar. Logo, a alimentação se deu já no pensamento, desde a afecção que o fez pensá-las. 

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