quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Entrevista Filosófica


Ariadn Raílla simula uma entrevista escolar e diz: “Eu gostaria de saber algo sobre a Filosofia: o que ela é, como é fazer Filosofia... coisas desse tipo.
É fantástico participar de uma brincadeira tão séria! Mas confesso que fiquei sem saber o que responder ou como responder. O interessante é que de repente eu me vi traindo os meus instintos: pois costumo sempre lhe responder a perguntas sérias, brincando. Naquele momento, porém, a brincadeira me chamou à seriedade da questão: como dizer a uma criança de sete anos de idade o que é Filosofia?
Para escapar à tentação de elaborar um discurso filosófico incompreensível a um leigo, geralmente a pergunta é simplesmente devolvida: – O que você acha? Então, quando retrucado: – Você não acha que...? Ou: Será que...? Às vezes no condicional, em tom hipotético: – E se...!? Contudo, aquela entrevista não me permitia fugir da pergunta. Era preciso assumir o papel de entrevistado e respeitar o da entrevistadora, não frustrando a sua expectativa de uma resposta compreensível à racionalidade de uma criança.
Então, arrisquei: – A Filosofia é um saber que lida com o pensamento.
E ela, como filósofa nata que é enquanto criança, quis entender o que é lida. Isso me fez perceber que aquele discurso não estava tão claro quanto pretendia. Mas não foi difícil dizer-lhe que lidar significa trabalhar, ocupar-se com alguma coisa. E a coisa com a qual a Filosofia se ocupa, o seu objeto de trabalho, é o pensamento. É com isto que ela lida. 
Expressando um ar de meditação, após alguns segundos ela resolve conferir o seu entendimento, reforçando: – Ah! É como quando eu fico parada, pensando: me lembrando de uma brincadeira ou imaginando uma roupa prá vestir...
Daí a resposta foi meio seca: – Não. Não é bem assim. Se fosse, todo pensamento seria filosófico. Mas, ainda me negando a responder prontamente, talvez para compensar essa resposta, sugeri-lhe que haveria uma outra pergunta a ser feita. E antes mesmo que eu dissesse qual seria, ela completou: – Então, qual é o tipo de pensamento... que interessa à Filosofia?
Confesso que aquilo me deixou maravilhado, como se fosse eu próprio que estivesse filosofando, pois naquele momento me apercebi numa conversa filosófica. Veio-me até uma vontade de lhe sugerir a leitura do texto Pensando o Pensamento[1], para acrescentar que no primeiro caso – lembrando uma brincadeira – podemos dizer que se está usando a memória, enquanto no segundo – no tocante à imagem de uma roupa – estar-se-ia usando a imaginação. Ora, memória e imaginação, a rigor, são instrumentos do pensar; porém, isoladamente, não se constituem no pensamento propriamente dito, isto é, no pensamento humano, pois outros animais também usam tais faculdades. Mas seria muita covardia. Eu não poderia fazer isto nem com um entrevistador adulto, numa entrevista séria, tampouco numa brincadeira. Aliás, tudo o que era dito era anotado: perguntas e respostas.
Assim, antes que ela se cansasse e me deixasse falando sozinho, no meu maravilhamento, fui direto ao que interessava: – A Filosofia se ocupa de pensamentos questionadores, como esse seu, que pergunta pelo que ainda não conhece, querendo saber. Por isso também se diz que a Filosofia busca sempre o conhecimento.
E ela questiona: – Então, fazer Filosofia é só perguntar? 
Na verdade, não é só isso. Para fazer Filosofia não se pode ficar apenas nas perguntas. É necessário também tentar respondê-las. Mas perguntar já é um bom começo.  
Daí, encerrando as suas anotações, ela agradeceu dizendo: “Isto foi uma entrevista muito legal[2]. Só então é que eu percebi que aquela prazerosa conversa filosófica motivada por uma séria brincadeira não tinha outra fonte senão a própria entrevistadora, instigada pelo desejo nato de conhecer. E ela ainda diz: “Talvez quando eu crescer eu queira fazer Filosofia”. ...Quiçá!



[1] W.C. Oliveira. Pensando o pensamento: uma introdução ao filosofar. Expressão-Revista da Fundação Universidade Regional do Rio Grande do Norte, Mossoró, RN, ano 22, n° 5, p. 149-52, maio/1991.
[2] Digitado pela própria, para concluir o texto após conferi-lo.

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