Ontem (21/05/2012) o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a ação do Partido
do Demo contra as cotas raciais. Nem vale a pena rebater argumentos ou fomentar
qualquer discussão, pois, afinal, já está decidido.
Entretanto, embora tardiamente, algumas discussões acaloradas me
fizeram pensar sobre o que me pareceu o ponto comum, para não dizer o consenso, entre os debatedores: “todos sabem que é paliativo”. Então, por que consertar
um erro com outro? Além disso, todos concordam que há um “mal entendido” como
ponto de partida. Mas qual é ele?
Sinceramente, duvido que essa compreensão do STF se desse em
outra situação política e econômica do Brasil. Graças a isso, desde o governo
Lula (o dito “presidente analfabeto”) tem-se, de certo modo, dado vez e voz aos
socialmente injustiçados, como alguns trabalhadores, negros e mulheres em
altos cargos do poder público.
Costumo dizer que o comportamento do povo se espelha no dos seus
governantes, enquanto o destes se pauta pela sociedade organizada. Daí a
necessidade de que eles sejam moralmente exemplares, desde a escolha dos seus
assessores e gestores das repartições públicas, haja vista serem estes o elo
entre os governantes e o povo. Pois, a partir do modo como eles trabalham é que
vai funcionar o serviço público. Se os primeiros não visam ao público, os
funcionários farão o mesmo.
O grande exemplo disso me foi dado quando José Agripino (PFL/Demo)
foi governador do Rio Grande do Norte: quão ridículo ou constrangedor era
precisar resolver algo numa repartição pública como o Detran: ninguém queria
lhe atender sem um intermediário, a quem se pagava para chegar até o
funcionário. Com a mudança de governo, entrar no Detran tornou-se algo até
prazeroso, numa sensação de alívio semelhante a ligar o rádio na quarta-feira
de cinzas e não ter que ouvir mais nada de carnaval.
Embora haja críticas morais ao governo Lula, pois, como diz o
Professor Edmílson Lopes Jr. [1], é o único aspecto sobre o qual a nova oposição
consegue apontar, evidentemente por que não conseguiu fazer melhor enquanto
esteve no poder, apesar disso somente sob forte glaucoma preconceituoso se pode negar que o Brasil
melhorou na última década, inclusive e principalmente, no panorama internacional.
E junto com os últimos governos cresceu também a força política dos movimentos
sociais de base, que há tempos reclamava por inclusão social dos discriminados
por classe, gênero, idade, sexualidade, deficiência física, raça etc. Graças a essa
voz é que entrou na vez da inclusão social a cota racial para as vagas de
estudo nas universidades públicas brasileiras. Contudo, todos admitem que é
apenas um paliativo, visto que o correto seria investir no fortalecimento do
ensino básico nas escolas públicas.
Ora, se "todos sabem que é paliativo", vale lembrar
ovelhodeitado: "um erro não conserta o outro"; pois, em vez de fazer
justiça àqueles ditos de raça que não entraram na universidade pública, comete-se
injustiça contra tantos sem raça que nem podem participar da cota nem foram
causadores dessa dívida social.
Como dizia o Presidente, nunca antes na história desse país foram criadas tantas universidades como no seu governo; então, por que não
se colocou nelas o critério racial, em vez de reduzir as vagas existentes? Isso certamente
tornaria menos amargo o paliativo. Além disso, vale ponderar sobre as
consequências: que atitude pode decorrer do sentimento gerado naqueles estudantes
que perderam a vaga para quem demonstrou menos conhecimento que eles, se este
deveria ser o principal critério, junto com o paliativo socioeconômico (cota de escola
pública)? Que valor os excluídos da cota podem reconhecer na educação, nos
esforços de seus estudos? Se o critério racial tivesse sido aplicado
exclusivamente nas vagas das novas instituições e dos novos cursos, certamente
nenhum candidato se sentiria injustiçado pela nova regra, uma vez que as vagas
não estariam sendo reduzidas, mas apenas inovadas.
Em que consiste, então, o “mal entendido”? Parece-me que ele decorre
do avanço da força dos movimentos sociais ao conquistarem, com justiça, a
reserva de cotas para deficientes no mercado de trabalho. Como a Universidade
prepara para o mercado, fez-se uma confusão entre conhecimento e trabalho, ao
se pretender ampliar a inclusão social no âmbito do conhecimento, como se o
critério fosse o mesmo.
Todavia, a cor da pele tem nada a ver com capacidade mental, nem
mesmo com injustiça educacional no Brasil, uma vez que muitos ditos de raça, felizmente, sequer estudaram em escola pública. Ora, observe-se que, grosso modo, se de 40 vagas
reservam-se 10 para cota racial e 15 para escola pública, retiram-se 5 vagas
dos sem raça de escola particular e 5 vagas dos sem raça de escola pública. Àqueles,
talvez o prejuízo pareça maior no bolso dos pais que, além dos 11 anos de escola
paga ainda terão que pagar cursinho. Mas não se pode esquecer o drama
psicológico de um adolescente que não conseguiu retribuir aos pais no tempo devido o
investimento em sua educação, nem pode buscar emprego porque não foi preparado
para isso até então e ainda se sente injustiçado pelas regras.
Contra os sem raça da escola pública, contudo,
a injustiça pesa duplamente: por que nunca puderam estudar em boas escolas; e ainda
por terem nascido sem raça para participar da cota racial em
vista de um melhor conhecimento para o mercado de trabalho. Além disso, tais indivíduos,
geralmente, já tem seu tempo de estudo tomado pelo de trabalho.
Vale ainda considerar que a enorme demanda por vaga universitária nos grandes centros urbanos tem feito migrar muitos estudantes de ótimo nível para ocupar as vagas nos menores centros. Agora imagine que os incompetentes governos locais decidem reservar vagas em cotas para seus concidadãos, restringindo as vagas em detrimento dos estudantes imigrantes; quais as consequências sociais para o nosso Brasil continental e regionalizado?
Ora, uma vez que no tocante às cotas raciais tudo já está decidido pelo STF, resta-nos tão
somente observar: qual o prazo desse paliativo? 10 anos? 20? Uma geração? Pois,
para quem está na Universidade qualquer tempo é muito pouco. Mas para quem está
querendo entrar, um ano já é muito tempo sob a sensação de injustiça de ser
preterido apesar dos seus esforços e de não ser o causador da dívida social
histórica da classe dominante desse país.
[1:http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5317834-EI17080,00-A+pergunta+do+Giannotti.html]
[1:http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5317834-EI17080,00-A+pergunta+do+Giannotti.html]
2 comentários:
Vejo deste modo a situação das cotas raciais. Antes de expor minha opinião deixo claro que é apenas minha opinião pessoal e posso estar errado ou certo. Considero que reservar vagas para negros é uma atitude preconceituosa, pois assim, considera-se, implicitamente, que o negro é inferior intelectualmente e necessita de um auxílio adicional. Alguém dirá: "Mas é porque o negro geralmente é pobre e não teve acesso a uma educação de qualidade". Então o problema não é a cor e sim a pobreza que atinge brancos, negros, pardos etc. Deste modo, percebemos que a injustiça reside em alguém competir com outro que teve melhores condições. Assim, defendo a cota para os que estudaram em escola pública, pois assim, possibilita o acesso a estes. Contudo, isso constitui uma ação emergencial para os que já estudaram em escola pública de baixa qualidade e agora, mesmo que a realidade mude(a escola pública seja de boa qualidade), estes continuarão em situação desfavorável. A raiz do problema está na qualidade de ensino da escola pública, pois parece que muitas vezes a preocupação reside em número de matriculados, enquanto vivemos uma verdadeira farsa educacional: fingimos que ensinamos, que aprendemos e que tudo está bem.
Obrigado, Cledson! Certamente precisamos desmascarar essa farsa. Mas, como? ...se os prejudicados não reagirem?
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