quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Tão Simplesmente

(Lendo Meu Pai)

Vou ali
Volto já
Não sei dormir fora de casa
Volto antes do Sol se deitar
Não me peça pressa
Posso levar mais de sete décadas pra me encontrar

Vou por aí meio andarilho
Quando eu voltar
Talvez eu faça mais um filho
Se eu não chegar cansado
Se eu não roncar
“Deus te faça feliz!”
Assim a cada um dos meus queridos vou abençoar.

Vou acolá
Sorver-me em meu penúltimo cigarro
Mascarar com menta a morte
A vergonha do meu hálito
Meu pigarro forte
Ciente que o bicho que devora a carne
É minha sorte
Que a qualquer tempo vai me contemplar

Vou vivendo e achando bom
Em meio a segredos
A morte ainda não me põe medo
A não ser deixar desguarnecida a minha prole
Mesmo sem a certeza
Do que depois daqui
Em outra vida hei de encontrar
Mas por surpresa e meu dilema
Quem sabe o meu problema venha
Do único órgão que eu não soube usar!

Quem sabe ao esgotar-se a minha boa sorte?
Vendo meu corpo despir-se num inferno à beira morte
Mesmo com meu pensamento descrente e jeito duro
Deus me dê tempo de tirar minha alma do escuro
Um novo sentimento possa-me brotar

Quem sabe no caminho eu precise fazer pontes?
Quem sabe que pra minha sede ainda exista fonte?
E ainda haja tempo pra mudanças
Ainda haja tempo de aprender e acreditar

Quem sabe ainda eu tenha tempo de pedir perdão?
Das vias que segui na contramão
As palavras duras proferidas
Não lhes quis a dor das minhas feridas
Perdoe os afagos e abraços que eu não soube dar
Os elogios que preferi não proferir
E os choros que engoli, pra não lhe ver chorar
Perdoe-me se não conjuguei direito
Os tempos do verbo amar

Quem sabe minha segunda geração?
Com seus sinceros beijos doces e abraços inocentes
Quem ligue as pontes do meu coração
Ensine-me o que ninguém soube ensinar:
Um dos maiores privilégios de ter nascido gente
Gonçalo, Coelho, humano
É ter feito gente como vocês
Para abraçar com minha voz que diz
Tão simplesmente, “te amo!”
                                        Homenagem do meu irmão poeta Sales de Oliveira, aos 77 anos do nosso pai (09/01/2013)

2 comentários:

Anônimo disse...

Lindo poema! Parabéns ao poeta! E em pensar sobre a questão de como conjugar o verbo AMAR, que o poeta ´tão simplesmente´ o faz em suas palavras, lembrou-me os versos de Neruda: “ a poesia não pertence ao poeta, mas aos que precisam dela”. Obrigada pela partilha!

Will Coelho disse...

Grato pelo comentário e pela gentileza em conjugar Neruda!