segunda-feira, 8 de julho de 2013

De Plebiscito e Canetada

Há dúvidas sobre o plebiscito como estratégia política do Governo: é a melhor resposta política ao Movimento das Ruas? Ou é um engodo, uma escamoteação do poder popular?
Movimento Pau de Arara, Mossoró-RN
Sem dúvida, a presidente Dilma surpreendeu, antecipando-se a tantos outros estadistas de países em conflito popular, ao pronunciar-se em 21/06/2013, já na segunda semana[1] de manifestações nacionais; e ao convocar, em 24/06, o Legislativo e o Judiciário para um pacto, junto com governadores e prefeitos, em torno de cinco temas: 1. Responsabilidade fiscal: reduzir gastos para controlar a inflação; 2. Reforma política: constituinte ou plebiscito; 3. Saúde: médicos cubanos, portugueses ou espanhóis para onde médicos brasileiros não se dispõem; 4. Transporte público: redução de impostos e verba para mobilidade urbana; 5. Educação: 100% dos royalties do petróleo extraído do pré-sal.
Os críticos dizem que ela se aproveitou da pressão popular e direcionou-a ao Congresso[2]. Ignoram o pacto, para o qual ela consultou na semana anterior até o líder-mor da oposição, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Afinal, ela está governando para todos os brasileiros. Mas se ela não o tivesse feito diriam que ela não estava dando a devida atenção.
Prendendo-se ao plebiscito, em detrimento aos demais temas, há quem o considere um engodo, defendendo que ela poderia resolver tudo isso numa “canetada”. É certo que quanto à responsabilidade fiscal, de fato, ela poderia reduzir seus 39 ministérios. Assim, governadores e prefeitos deveriam seguir o exemplo. Mas, qual Movimento reivindicou isso? Todavia, por que não irmos às ruas com esse propósito? Possivelmente o tema 4 também pode ser resolvido na canetada: o que ela já fez. Porém, quanto aos demais temas parece que o entrave está na legislação, ou seja, no Congresso. Afinal, o que mais ela poderia resolver na “canetada” sem ser antidemocrática? Como atender urgentemente a população interiorana aonde os médicos brasileiros não se dispõem a atuar? Como aprovar nova verba para a Educação e para a Saúde? Como estender aos outros poderes a transparência contra a corrupção? Como decidir sobre financiamento público de campanha política? Como decidir sobre a reforma política ou tributária, há mais de 20 anos no Congresso, sem a pressão popular?
Movimento Pau de Arara, Mossoró-RN
Os parlamentares temem o redirecionamento da pressão popular, porque estava cômodo se fazerem de surdos, frente às manifestações, como se eles não soubessem que os gritos contra corrupção e desmandos lhes atingem, e que para o Executivo e o Judiciário funcionarem a contento é necessária a aprovação de leis no Legislativo. Vale lembrar o Projeto de Emenda Constitucional 037 (agora rejeitada graças à pressão popular), que pretendia retirar do Ministério Público o seu poder de investigação, pelo qual se executaram vários processos de corrupção. Assim como o PEC 033, que intenciona sobrepor o Legislativo ao Judiciário, em matéria julgada; o abonamento de políticos de Ficha Suja; o Ato Médico etc. Além da resistência à Lei de 100% dos royalties do petróleo para a Educação (agora aprovada apenas sobre os 50% concernentes ao Governo Federal). Vale lembrar que em 2009 o presidente Lula mandou ao Congresso Projeto de Lei da Corrupção, transformando-a em crime hediondo e punindo também os corruptores, ou seja, os empresários: mas só foi aprovada agora, pela intervenção de Dilma e sob pressão popular.
Ora, como diz o meu amigo Prof. Rubens Fernandes, foi a classe média que saiu às ruas; não o povão. Mas para manter-se nas ruas, em protesto contra os desmandos políticos, é preciso não perder o foco democrático de que o poder emana do povo nem o princípio republicano de que: o poder Executivo e o Judiciário dependem do Legislativo, dito representante popular. Contudo, observando-se as leis brasileiras, percebe-se que os nossos legisladores são quem menos representa, de fato, os reclames e anseios populares.
Ocorre, entretanto, que o "povão" precisa de um alvo visível e o mais próximo possível para atirar a pedra dos seus reclames. No entanto, quem lhe aponta tal alvo é a classe média (dita instruída), que pode atirar e depois correr. Por isso ela não aponta alvo próximo o bastante para bater, porque também pode apanhar, uma vez que muitos estão ligados ao poder local. Ou seja: a grande maioria faz denúncias sem indicar sequer o local, tampouco os nomes dos governantes (basta observar as fotos de ambulâncias do SAMU abandonadas: não dizem quem mandou nem quem as abandonou). Logo apontam para o "governo"(?). Isso se dá inclusive sobre decisões do Judiciário, como no tocante à absolvição ou libertação de bandidos ricos. Culpam sempre o Governo, como se estivéssemos numa monarquia.
Onde? Quando? Quem são os irresponsáveis?
Mas, quase ninguém lembra que Executivo e Judiciário dependem das leis aprovadas pelo Legislativo. Talvez porque inconscientemente o coletivo saiba que toda a responsabilidade, ou culpa, recai sobre nós, que os elegemos. Mas "eles" são muitos. E nós, individualmente, só votamos em um deles. Daí o presidente aparecer como alvo mais fácil, por ser figura visível, tal como a esperança messiânica de um salvador da pátria ou de um vilão.
Quem dos manifestantes observa o Portal da Transparência do Governo Federal e acompanha o trâmite, por exemplo, da verba destinada à Educação do seu Estado e do seu município e, por conseguinte, cobra dos governantes locais? Quais governos estadual ou municipal fizeram portal da transparência, para o acompanhamento das verbas? Isso não poderia ser resolvido também por "canetada" local? Mas, qual Movimento exigiu isso? Quem percebeu que antes mesmo do Movimento do Busão e do Passe Livre, Dilma já tinha reduzido os impostos que incidem sobre o transporte público? Mas, apesar desse ato, onde se teve redução da passagem, antes do Movimento? Ao contrário: houve aumento... e abusivo.
Então, o Movimento precisa, sim, continuar nas ruas, mas sem perder o foco republicano, que é o desmando político do Legislativo e dos poderes locais. Pois, do contrário, cometeríamos injustiça, fazendo com que eles permaneçam calados e surdos. E mesmo que algo se resolva na "canetada", muitos outros entraves permanecerão no Congresso. E é disso, a meu ver, que se vale essa direita que reclama sua volta ao poder que mantiveram por séculos sem nada fazer pelo dito povo brasileiro.
Movimento Pau de Arara, Mossoró-RN
E vale observar: isso não significa que o governo de Dilma (PT) não mereça crítica. Mas a crítica precisa ser séria, para que haja avanços. E muito séria, para não ser reduzida às denúncias de corrupção que tanto valem para governo dos ditos "PeTralhas", como os apelidou a direita, quanto para o dos PSDBestas ou DEMos. Pois esse é o único instrumento de que estes se valem para manipular o povo, como se o retorno deles fosse algo melhor do que o que está aí. Melhor para quem? 
Basta observar para quem eles governaram e para quem o atual partido tem governado, embora ele tenha perdido o seu caráter originário, que foi a capacidade de mobilizar a população para pressionar o Congresso. Mas, alguém precisa defender os mais vulneráveis, os historicamente injustiçados. Se não forem defendidos pelos mais fortes, que sejam por aqueles que detém algum conhecimento histórico da realidade social, pois estes tem a responsabilidade ética de fazer justiça política. E a responsabilidade política de fazer justiça social. Mas, inegavelmente, nos últimos 10 anos o governo brasileiro tem feito isso, apesar das mazelas denunciadas que persistem há décadas. Pois, com seu feito tem elevado o Brasil democrática e internacionalmente.



[1] Pode-se observar que os protestos contra o aumento da tarifa de ônibus começaram com a Revolta do Busão, em Natal, em 03/09/2012. Seguindo-se em Porto Alegre, em 25 e 27/03/13 e 04/04, e prosseguindo em 16/05 em Natal; em Goiânia (21 e 28/05), no Rio de Janeiro (03, 10, 16 e 17/06), em São Paulo 0(6, 13, 17, 18 e 19/06), assim como em Fortaleza (13, 17 e 19/06), Brasília (15 e 17/06), Bauru-SP (17/06), Salvador (17/06), Curitiba (17/06), Belo Horizonte (15, 17 e 18/06), Belém (17/06), Maceió (17/06), Recife (17/06), Cubatão (18/06), Marília-SP (18/06), Araçatuba-SP (18/06), São José do Rio Preto-SP (18/06), São Gonçalo-RJ (18/06), Florianópolis-SC (18/06), Juazeiro do Norte-CE (18/06), São Bernardo-SP (19/06) e Niterói-RJ (19/06); além de cidades como Mossoró-RN, Manaus etc. A intensificação nacional dos protestos, porém, deu-se basicamente a partir de 10/06, com o massacre policial em São Paulo e no Rio, proliferando-se até 19/06. Dialeticamente, a meu ver, a ação do governo paulista é que despertou o povo Gigante adormecido (conf. http://noticias.terra.com.br/infograficos/protesto-tarifa/).

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